quinta-feira, 14 de setembro de 2017

EXPANSÃO INDUSTRIAL, URBANIZAÇÃO, SINDICATOS E A LUTA DOS TRABALHADORES NO CAMPO E NA CIDADE

A partir da entrada no Brasil na Segunda Guerra Mundial em 1942, começa a mudar também o cenário interno da política brasileira com o crescente aumento da oposição da Ditadura Vargas. Afinal, se o Brasil lutava ao lado dos defensores da Democracia, não tinha sentido, nem coerência, o país viver sob regime ditatorial.   A luta pela redemocratização do país mobiliza amplos setores da sociedade, trabalhadores, intelectuais, estudantes.

Em abril de 1945, Getúlio Vargas cede às pressões decreta anistia aos presos políticos e anuncia as  eleições parlamentares para 02 de dezembro de 1945 para elaboração de uma nova Constituição. Luis Carlos Prestes, Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro, é libertado em maio depois de quase nove anos de prisão. Também em maio, ocorre mudanças no sistema partidário e são criados novos partidos, O Partido Social Democrático(PSD), a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista Brasileiro ( PTB), o Partido Democrata Cristão (PDC) entre, outros. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) é legalizado e rapidamente se torna um partido de massa, beneficiado pela onda de crescimento da esquerda em nível mundial, muito em função do papel decisivo desempenhado pela União Soviética na derrota ao nazi-fascismo e também pela atuação permanente e incansável dos militantes comunistas que souberam capitalizar a luta pela Redemocratização com pela legalização do PCB. Pela primeira vez no Brasil desde o advento da República os partidos adquirem uma conformação e uma abrangência nacional. Getúlio é deposto por uma junta militar em 19 de outubro e as eleições parlamentares e presidenciais são anunciadas para dezembro de 1945. 

Eurico Gaspar Dutra, ex-Ministro da Guerra de Getúlio, da coligação PSD-PTB é eleito presidente da República com o apoio do ex-ditador. Mais uma vez, seguindo a velha tradição de conciliação do país, as transições política se dão sem maiores sobressaltos para elite política. Os antigos políticos na sua maioria apoiadores e beneficiários da Ditadura Estado-Novista se disfarçam de democratas e continuam à frente das estruturas de poder.

Mas classe trabalhadora urbana torna-se, no pós-guerra, um ator decisivo no cenário político nacional, fruto da aceleração industrial e urbana do país. Depois de anos de repressão política e arrocho salarial determinado pelo “esforço de guerra” os trabalhadores assumem um protagonismo social e político que só será interrompido pela força da repressão com a ditadura militar.

As greves de massa que começam a fazer parte da paisagem das lutas sociais do país no pós-guerra, se tornaram cada vez mais freqüentes ao longo dos anos 50 e 60. O Presidente Dutra ao tomar posse em fevereiro de 1946 já no seu primeiro dia de mandato teve que lidar com a greve nacional dos bancários que recebeu a adesão de trabalhadores de várias categorias. Essa greve correspondeu, em termos políticos, à greve dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema em 1980, pois teve um efeito aglutinador sobre a classe trabalhadora, cujas demandas  estavam represadas ao longo de toda a ditadura Vargas.

Os pelegos que estavam alojados nos sindicatos como interventores sob o manto protetor da ditadura varguista vão perdendo cada vez mais espaço para os militantes de esquerda, especialmente, os comunistas. O PCB rapidamente assume a hegemonia política sobre o movimento operário. Apesar de uma postura vacilante em relação às greves e às manifestações de protestos de cunho mais radical, os comunistas, pressionados por suas bases, vão assumindo a direção das greves e das organizações operárias. A resposta do governo Dutra às mobilizações operárias e ao crescimento do PCB não tardou a chegar. Em maio de 1947, o governo, com forte apoio do empresariado, e dos partidos conservadores, decreta intervenção em mais de 100 sindicatos e coloca o Partido Comunista Brasileiro na ilegalidade. Mais uma vez a elite brasileira demonstra a sua intolerância em lidar com capacidade de mobilização e organização das classes populares na democracia.

Depois de exauridas todas as possibilidades de reverter a decisão das autoridades o PCB parte para um linha de confrontação com o governos Dutra, desta feita, chamado de Governo de Traição Nacional pelos comunistas. No plano sindical a direção do PCB irá orientar suas bases para criação dos sindicatos paralelos como forma de combater a estrutura oficial e derrotar os pelegos. Foi o chamado período do “sindicalismo Vermelho” e das “greves de gancho” ou “greves de apito”.

Com o segundo governo de Vargas em 1950, os sindicatos voltam a ter maior participação dos militantes de esquerda e de setores do trabalhismo ligados aos líderes mais progressistas do PTB, como Jango Goulart e Leonel Brizola. As greves de massa se reiniciam por todo o Brasil nos anos 50, uma das mais conhecidas foi a “Greve dos 300 mil”, ocorrida entres os meses de março e abril de 1953. Essa greve foi comandada pelos sindicatos dos Têxteis, Metalúrgicos, Marceneiros, gráficos e Vidreiros de São Paulo, rapidamente se alastrou pelo ABC e pelos Municípios vizinhos da Capital. AS principais reivindicações dos grevistas eram: aumento salarial de 60%, estabilidade no emprego e exigência de medidas do governo pra controle dos preços dos gêneros  de primeira necessidade. Já nos seus primeiros dias a greve recebeu a adesão de inúmeras categorias, além disso, a  paralisação contou com a simpatia de parte da população paulistana, incluindo muitos comerciantes que colocavam cartazes de apoio à greve nos seus respectivos estabelecimentos. Outro aspecto pouco comum dessa greve, foi a solidariedade  e apoio de vereadores e deputados que denunciaram a violência policial e forneceram ajuda material e política ao movimento. A greve foi marcada por forte presença das mulheres no cotidiano da luta. Elas estavam presentes nas comissões de fábrica, nas manifestações, nas assembléias, inclusive nos grandes piquetes que reuniam centenas de trabalhadores.

O saldo da greve foi extremamente positivo do ponto de vista político e organizativo. Essa greve marcou um ponto de virada na retomada das lutas operárias e sindicais que a partir desse marco inaugura um processo de ascensão das lutas que prosseguirá até 1964. Do ponto de vista organizativo, foram as comissões de fábrica que deram a tônica ao movimento e partir de então estarão presentes nas categorias mais atuantes do sindicalismo do período. Foi criado também o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), entidade que será responsável por várias mobilizações nos períodos seguintes.  

Entre os dias 15 e 25 de outubro de 1957 ocorre outra greve de grandes proporções que ocupa as manchetes dos jornais. A “greve dos 400 mil” como passou a ser chamada mostrou com contornos mais definidos os sinais de um novo tempo.  Um tempo  em que o sindicalismo passa a desempenhar  um papel cada vez mais atuante na conjuntura política nacional evidenciando a expansão de sua capacidade de pressão sobre o patronato e sobre a classe política.

Os primeiros anos da década de 1960 foram marcados por uma efervescência extraordinária do movimento sindical que conquistou a cena política de forma definitiva. Esse dinamismo se mostrou vigoroso sob diversos aspectos. Primeiro pela difusão de  organizações intersindicais de caráter horizontal, proibidas oficialmente tais como: Comissão Permanente das organizações Sindicais(CPOS), que articulava sindicatos do antigo Distrito Federal; o Pacto de Unidade e Ação (PUA), que reunia trabalhadores do setor de transporte como ferroviários e portuários; o Fórum Sindical de Debates(FSD), que reunia os sindicatos da Cidade de Santos; o Pacto de Ação Conjunta (PAC) e finalmente o Comando Geral dos Trabalhadores(CGT), que se tornou a maior expressão das intersindicais do período e centro dinamizador das mobilizações sindicais desde a sua criação.

Também no campo, os anos a 60 foram de intensas mobilizações e conflitos com os latifundiários. Na década anterior começa a ocorrer uma intensa modificação na estrutura econômica e social do campo com a mecanização da agricultura através da difusão do uso do trator e a expansão das rodovias, que num contexto de industrialização e urbanização acelerada que gerou demandas para abastecimento das grandes cidades valorizando os produtos agrícolas. Esse processo acarretou a expulsão de milhões de camponeses pequenos proprietários, arrendatários, meeiros, foreiros, etc. Em Pernambuco, por exemplo, o rompimento dessas relações, com a negação da concessão de terras para o plantio (sítio), ou por um aumento considerado abusivo do foro, gerou o primeiro conflito que chegou a conhecimento público no engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão. A resistência desses trabalhadores, que pouco tempo depois teve como importante aliado o advogado Francisco Julião, recém-eleito deputado estadual em Pernambuco, deu origem às ligas camponesas, que foram uma das mais importantes organizações de camponeses que lutavam pela reforma agrária nos anos 50 e 60.

As lutas por salários e direitos também mobilizou os assalariados do campo nos anos 50 e 60. As principais reivindicações dos trabalhadores eram: carteira profissional, jornada de oito horas, pagamento de horas extras, férias remuneradas, salário mínimo, pagamento em dinheiro e não em gêneros, descanso semanal remunerado, direito a sindicalização. Como se pode notar, a CLT não era extensiva aos trabalhadores do campo, assim como, não era permitido o direito de se organizarem através de sindicatos. O direito à sindicalização só será conquistado em 1962, no governo de João Goulart.

A riqueza  desse período interrompido brutalmente pelo golpe militar foi extraordinário. É nessa conjuntura “que se desenvolveram as primeiras experiências mais abrangentes de organização dos trabalhadores do campo e em que, através de um complexo processo político, suas reivindicações imediatas se articulam com as demandas amplas que  colocavam em questão determinadas formas de exercício do poder, das quais o latifúndio era o maior símbolo”. ( MEDEIROS, 1989, P.79)   
       
Esse período foi marcado pela ofensiva dos setores de esquerda (especialmente os comunistas) e nacionalistas para dentro da estrutura sindical o oficial, o que resultou na conquista por parte desses setores das quatro confederações de trabalhadores das seis existentes até então, tais como: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI); Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Crédito (CONTEC); Confederação Nacional dos Trabalhadores Marítimos, Fluviais  e Aeronáuticos (CNTMFA) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Dessa forma, o movimento sindical estava amplamente dominado por setores de esquerda e nacionalista, tanto dentro, como fora, do campo da legalidade instituída. Comunistas e nacionalistas serão os principais entusiastas e mobilizadores da sociedade em torno das reformas de base.

As greves de massa serão freqüentemente acionadas nas reivindicações econômicas, mas serão as greves políticas que terão mais repercussão nacional numa conjuntura de extrema polarização política entre esquerda e direita como ocorreu no Brasil nos primeiros anos da década de 60. Em agosto de 1961, o movimento sindical progressista e de esquerda se engaja na luta pela legalidade, logo após a renúncia de Jânio Quadros 1961, os militares se recusaram a dar posse a João Goulart vice-presidente, que estava em visita oficial a China. A campanha pela posse de Jango, ficou conhecida como campanha pela legalidade e se espalhou por todo o Brasil. O movimento sindical liderado por comunistas e  nacionalistas jogou um peso fundamental.

O período compreendido entre 1961 e 1963 foi marcado por um crescente conflito dos interesses de classe, à medida que a crise econômica provocava maior polarização política. Devido a isso, as greves de massa eram geralmente convocadas em apoio ao governo de Goulart, em troca de decretos que aumentavam o salário mínimo e do acesso às esferas de tomada de decisão do governo. Nesse sentido, o modelo de atividade grevista sugere que as greves de massa não eram simples instrumentos da luta pelo poder, mas também um meio de obterem proveitos econômicos para os trabalhadores através de decretos governamentais. 

A greve dos 700 mil, ocorrida em setembro de 1963, quando a temperatura política do país já estava bastante alta, parece corroborar com as afirmações acima. Articulando 79 sindicatos e quatro federações, o Pacto de Ação Conjunta  (PAC), pretendia avançar nas campanhas salariais e também se ver reconhecido como interlocutor da FIESP. A pesar de toda ofensiva repressiva e desmobilizadora dos patrões, os grevistas só concordaram em retornar ao trabalho quando a Comissão de Greve negociou um acordo válido para os 700 mil trabalhadores, independentemente dos acordos em separado.

A conjuntura dos primeiros anos da década de 60 do século passado que combinou lutas sindicais tanto “por dentro”, como “por fora”, da estrutura sindical  se caracterizou com um dos momentos mais vibrantes da história do sindicalismo e da política brasileira, momento esse, em que a sociedade se polarizou em torno de dois projetos de sociedade. De um lado, as forças reacionárias que queriam a superação da crise econômica sem alterar a estrutura social do país, ou seja, um capitalismo selvagem concentrador de renda e dependente dos países centrais. Por outro lado, as forças democráticas e populares preconizavam um modelo de desenvolvimento domesticado pelos valores modernos da igualdade social e da radicalização da democracia através da participação política do povo consciente de seus direitos e politicamente ativo.

 O desfecho conservador desse embate social consolidado com o golpe civil-militar de 1964 impediu que os trabalhadores e os setores democráticos e progressistas da sociedade tivessem seu esforço recompensado politicamente. A derrota de 1964, porém, não deve nos induzir a conclusões precipitadas no sentido de minimizar ou subestimar o esforço empreendido pelos trabalhadores e suas organizações e nem deixarmos de reconhecer que a agenda de lutas e de reivindicações desses trabalhadores continua ainda muito atual nos dias de hoje, embora já tenha transcorrido mais de quarenta anos daquela conjuntura política. Talvez esta constatação nos dê a devida dimensão do quão foi trágico para a sociedade brasileira o desfecho daquelas lutas.
  
Para saber mais:

COSTA, Hélio da. Em busca da memória – comissões de fábrica, partidos e sindicatos no pós-guerra. São Paulo: Scritta, 1995. 
DELGADO, Lucíclia e FRREIRA, Jorge. O Brasil republicano. o tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. vol.3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2003.
DELGADO. Lucília. O Comando Geral dos Trabalhadores. Rio de Janeiro: Vozes,1986.
FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista – getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
FORTES, Alexandre et al (org). Na luta por direitos. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.
GIANOTTI, Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad Editora Ltda. 2007.
MEDEIROS, Leonilde S. de.História dos Movimentos Sociais no Campo. Rio de Janeiro: Fase,1989.
SILVA, Fernando Teixeira da Silva. A carga e a Culpa. São Paulo: Hucitec, 1995.


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