quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A REVOLUÇÃO DE 1930, O “ESTADO NOVO” E O SINDICALISMO DIANTE DA ESTRUTURA SINDICAL CORPORATIVISTA

Fonte: https://cut.org.br

Como conseqüência da “Crise  de 1929”, no plano internacional, o capitalismo vivia sua maior crise econômica, política e ideológica no início dos anos 30.  A Crise desencadeou a depressão da economia americana e, por conseguinte, a maior recessão econômica do mundo. As repercussões da crise se prolongaram de maneira dramática nos Estados Unidos até 1933 e somente em 1939, com a entrada na Guerra, a economia americana retoma seu ritmo de crescimento semelhante à década de 20. A queda das ações arruinou os especuladores, reteve a venda a crédito e impossibilitou os que receberam financiamento de pagar seus débitos, provocando a falência de 4 mil bancos em três anos. Os preços dos produtos industriais caíram 27% e 85 mil empresas americanas faliram. O valor da produção nacional americana desceu à metade dos níveis anteriores a crise. O preço dos produtos agrícolas também despencou e os agricultores perderam suas terras hipotecadas aos bancos,  os que ainda resistiam tiveram que jogar parte da produção fora para tentar conter a queda dos preços. Foram toneladas de leite e grãos jogados fora, enquanto a população passava fome. Os trabalhadores viveram dias sombrios, o desemprego atingiu a cifra de 14 milhões de desempregados e se constituiu no maior drama social da crise de 1929. Ninguém foi poupado, trabalhadores qualificados como médicos e engenheiros que foram obrigados a  vender maçãs nas esquinas das ruas de Nova York para sobreviver e junto com outros trabalhadores engrossavam as enormes filas para ganhar um prato de sopa e uma fatia de pão.

O liberalismo no aspecto econômico e político foi duramente atacado pela esquerda e pela direita e viveu sua pior crise.  Pela esquerda, os trabalhadores e suas representações tanto sindicais, como partidárias, especialmente os partidos comunistas e socialistas saiam a ruas combatendo o capitalismo e pregando o socialismo. O socialismo na Rússia depois de muitas dificuldades finalmente começava a conhecer tempos de prosperidade e progresso o que estimulava mais ainda os comunistas no combate ao capitalismo.

Pelo centro, os sociais democratas defendiam uma maior regulação do estado na economia e um caráter mais social para o capitalismo através de políticas públicas de emprego, educação, saúde e habitação. Criticavam tanto a concepção liberal econômica que idealizava os mercados como reguladores da economia e limitava a participação dos trabalhadores, como também viam com reserva a concepção de estado e sociedade socialista colocados em prática na União Soviética. Defendiam o aprofundamento da democracia e a humanização do capitalismo e, em troca, renunciavam ao caráter revolucionário e as formas violentas de transformação social.
Pela direita, surgiam em vários países governos conservadores e totalitários, que responsabilizavam a democracia e os partidos pela fraqueza do Estado e pela crise econômica. Pregavam um Estado forte e centralizador que atendesse aos interesses da Nação sem necessidade de partidos ou participação política do povo. O alvo principal dos governos de direita era atacar as organizações de trabalhadores (partidos e sindicatos), pois, a conjuntura do início dos anos 30, foi marcada pela polarização política entre esquerda e direita. Desta forma, os representantes da direita, procuravam eliminar fisicamente a esquerda e, ao mesmo tempo, através da propaganda e da cooptação tentavam canalizar os descontentamento das massas vitimadas pela crise econômica para angariar-lhes o apoio popular para o exercício do poder.      

Foi nessa vaga de crise do capitalismo e do liberalismo que ocorreu “Revolução de 1930”, que pelos seus desdobramentos, foi um dos momentos de maior inflexão na história política do país. 1930 - foi um rearranjo político no interior das classes dominantes ocasionada por tensões internas aguçadas pela conjuntura internacional, que deslocou do poder a oligarquia paulista ligada aos interesses da economia cafeeira. A dissidência oligárquica foi provocada primeiro por uma decisão do Presidente Washington Luís de romper o acordo com Minas Gerais que deveriam indicar o seu sucessor, seguindo o jogo de alternância na presidência entre Minas e São Paulo. Ao insistir na candidatura do paulista Júlio Prestes, Washington Luis criou as condições para Formação da Aliança Liberal que lança a candidatura de Getúlio Vargas cuja base de sustentação eram as oligarquias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Vargas angariou apoio de um importante segmento fora da tradicional aliança oligárquica que foram os tenentes, que expressavam em grande parte os anseios de mudanças das camadas médias da sociedade, através dos vários levantes tenentistas ocorridos na década de 20, conhecido como movimento tenentista.

Numa eleição, ainda, muito marcada pelo “voto de cabresto”, Júlio Prestes saiu vencedor e, tudo parecia indicar que as coisas iriam caminhar para a manutenção  do padrão institucional da República Velha. Porém, o assassinato de João Pessoa, candidato a Vice na Chapa de Vargas, e o acirramento das tensões oligárquicas por conta da crise de 1929, estimularam os setores de oposição a organizarem um movimento insurrecional para derrubada de Washington Luís. Vargas, com o decisivo apoio dos tenentes, lidera um golpe de Estado e assume o Governo Provisório em 3 de outubro de 1930. 

O governo Vargas com apoio dos tenentes e das dissidências oligárquicas irá promover  rupturas significativas no padrão institucional e político até então vigente. No plano econômico e Estado assumirá uma função de promotor do desenvolvimento econômico, criando bases para a elaboração de uma política industrial.  No plano político, o Estado assume um papel mais centralizador, rompendo com o “federalismo tropical” da República Velha, estruturado sob as bases da “política dos governadores” sob hegemonia da oligarquia paulista.

Mas a mudança que mais caracterizou as iniciativas do governo Vargas e que se tornou uma marca indissociável do seu governo e da própria construção do mito político de Vargas como o “pai dos pobres”, diz respeito às mudanças nos padrões de relações de trabalho através da implantação de uma nova legislação trabalhista e sindical. A nova lei de sindicalização imposta pelo governo de Vargas por meio do decreto  nº 19.770, de 19 de março de 1931, que inaugurava uma prática de intervencionismo estatal sobre a vida interna dos sindicatos determinava, entre outras coisas, que as organizações de classe só podiam se filiar a entidades internacionais mediante prévia autorização ministerial; os estatutos deveriam obedecer às normas predefinidas e serem submetidos à aprovação ministerial; os sindicatos, federações e confederações deviam relatar anualmente suas atividades aos órgãos ministeriais; e ao Ministério do Trabalho cabia conceder ou não o reconhecimento oficial, fiscalizar as assembléias gerais e a situação financeira dos sindicatos, lavrar multas pelo descumprimento da lei, fechar o sindicato, a federação ou a confederação por até seis meses ou promover a sua dissolução definitiva, podendo destinar o seu patrimônio a entidades de assistência social. (OLIVEIRA, 2002.p 61).

Além da necessidade de reconhecimento do sindicato por parte do Estado, a legislação também estabelecia a unicidade sindical, ou seja, somente poderia haver um sindicato por categoria em determinada base territorial. A unicidade sindical é o sindicato único estabelecido em lei (Boito Jr, 1991. p. 27). Uma segunda ação decisiva do Estado foi estabelecimento, também por lei, em 1940, da contribuição compulsória – o imposto sindical -, extensiva a todos os trabalhadores independente de serem sindicalizados, ou não.  

A grande maioria dos sindicatos combativos e de esquerda sob influência e orientação dos comunistas, socialistas, anarquistas e sindicalistas revolucionários foi contrária à estrutura sindical imposta pelo governo de Vargas. Essa nova legislação mereceu protestos de grande parte do movimento sindical da época – com exceção do chamado “sindicalismo amarelo”.

Porém, o período de 1933/35 marcará uma grande virada na relação entre o movimento sindical de esquerda e a recém-criada estrutura sindical oficial, porque, a partir daquele ano, os sindicatos combativos, com exceção dos anarquistas, diante da impossibilidade de acabar com a estrutura oficial, optaram pela atuação por dentro da estrutura, na expectativa de transformá-la. Isso equivale a dizer que as correntes mais atuantes do movimento sindical renunciaram à prática de um sindicalismo revolucionário e de ação direta de “minorias conscientes” para um sindicalismo de “maiorias potenciais”, levando em conta as vantagens oferecidas pela legislação trabalhista, sem abrir mão da luta pela democratização da legislação sindical.

Por que a maioria dos sindicatos atuantes no início do decênio de 1930 não conseguiu impor uma derrota ao projeto sindical do governo Vargas, mas, ao contrário, acabou se incorporando a ele, ainda que com a propósito de transformá-lo?

Para responder de maneira breve a uma pergunta tão complexa, diríamos que três fatores foram fundamentais. Primeiro, a repressão e perseguição ao sindicalismo que defendia a liberdade e autonomias sindicais e, portanto, combatia a proposta do governo. Em segundo lugar, a vinculação que o governo impôs aos trabalhadores entre a adesão à estrutura sindical oficial e o acesso aos direitos trabalhistas. (Por exemplo, só poderia usufruir do direito de férias, aquele trabalhador que possuísse a carteira de trabalho, que só poderia ser emitida pelos sindicatos oficiais reconhecidos pelo governo – uma vinculação que exigia a adesão automática do trabalhador ao sindicato.) E, finalmente, em terceiro lugar, a própria avaliação do movimento sindical da época, de que, para as condições de atraso e autoritarismo reinantes na sociedade brasileira – e as relações de trabalho não fugiam a essa regra -, a nova legislação sindical e trabalhista poderia significar um avanço na conquista de direitos e na defesa dos interesses dos trabalhadores, desde que, por meio da luta no interior dos sindicatos oficiais, fossem alterados os seus aspectos negativos e potencializados os positivos.

Em novembro de 1937, Getúlio Vargas, utilizando-se de um golpe de Estado, no qual foi apoiado por militares, instaura um regime ditatorial conhecido como Estado Novo (1937 – 1945) que, dentre os muitos atos autoritários, intervém em diversos sindicatos, nomeando interventores. Alguns sindicatos, que tinham à frente lideranças combativas, conseguiram driblar a repressão e mantiveram-se á frente de suas entidades, porém tinham seu espaço de atuação extremamente limitado pelas circunstâncias políticas. Como uma das formas de viabilizar o peleguismo sindical, representado pelos interventores sindicais, foi instituído, em julho de 1940, o imposto sindical compulsório, conforme mencionamos anteriormente, combinado com uma, para a época, intensa e sofisticada propaganda. Dessa forma, a “invenção do trabalhismo”, procurava associar a concessão de direitos trabalhistas às qualidades pessoais de Getúlio Vargas como líder sensível às necessidades dos trabalhadores e dos mais pobres em geral, o que foi chamado por alguns estudiosos, como o “mito da outorga”. Não foi sem motivos que o anúncio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, se deu sob um planejado e bem executado espetáculo político dirigido às massas na comemoração do Primeiro de Maio, no estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, capital federal  da época. Desta forma, quando promulgada a CLT, praticamente todo o movimento sindical já estava “adaptado” à nova estrutura sindical e dirigia suas lutas a partir dela.

Dessa forma, o estado combinava uma legislação sindical que procurava banir os setores combativos do sindicalismo brasileiro e, ao mesmo tempo, controlar a ação sindical através da subordinação dos sindicatos ao Estado. Porém, como vimos essa estratégia de controle foi acompanhada de uma legislação trabalhista, bastante avançado para os padrões da sociedade brasileira. Essa legislação foi difundida pelos órgãos de comunicação do “Estado Novo” como uma dádiva de Getúlio, silenciando toda uma trajetória de lutas dos trabalhadores por direitos ao longo dos anos, conforme registramos nas páginas anteriores.    

A primeira coisa que chama a atenção na CLT, “alardeada como a mais avançada legislação social do mundo”, é “o notório e quase esquizofrênico contraste entre lei e realidade, teoria e prática” (French, 2002.p.25) . Muitos trabalhadores depositavam suas esperanças na nova legislação trabalhista. Na cidade de Santos, um doqueiro que participava de uma assembléia sindical, em agosto de 1945, afirmava que as leis trabalhistas deveriam ser modificadas “porque não eram respeitadas”, no que foi replicado imediatamente por um colega: “a lei é boa”, propondo então, que se apresentasse ao Congresso nacional um pedido de “respeito absoluto a CLT, pois os patrões só seguem à risca os seus interesses, desrespeitando o direito dos trabalhadores” (Negro & Silva, 2003 p.51 )

A questão colocada acima foi crucial para o movimento sindical. Ao mesmo tempo em que revelava o abismo entre a lei e a realidade, colocava para o movimento a necessidade de fazer com que a lei fosse cumprida e estabelecida à conquista dos direitos garantidos na CLT como um campo de luta permanente entre o movimento sindical e os patrões. Nesse sentido, a própria luta reforçava e legitimava o projeto sindical oficial e, não raras vezes, os sindicatos adotavam como tática apelos diretos e alianças com o governo, buscando que a lei fosse cumprida. Contudo, quando tais apelos não surtiam os efeitos desejados, igualmente se recorria às diversas formas de enfrentamento, inclusive a greve. Em outros termos, numa sociedade como a brasileira, marcada pelo autoritarismo e repressão no âmbito privado das relações de trabalho, a legislação trabalhista-sindical na sua complexidade jurídica era acionada pelos trabalhadores na perspectiva que o mundo da produção pudesse ser regulado por parâmetros publicamente definidos colocando algum limite no mundo do trabalho através do domínio da lei.   


Para  saber mais:

ARAÚJO, Ângela. A construção do consentimento, corporativismo e trabalhadores nos anos trinta. São Paulo. Editora Scritta, 1998.
BOITO JR, Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise  crítica a estrutura sindical. Campinas. Editora da Unicamp/Hucitec, 1991.
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo, Rio de Janeiro. Relume Dumará, 1994.
FRENCH, John, Afogados em leis - a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo. Editora da Fundação Perseu Abramo, 2001.
OLIVEIRA, Marco Antonio de. Política trabalhista e relações de trabalho no Brasil  - da era Vargas ao governo FHC. Tese de Doutorado. Instituto de Economia da Unicamp, 2002.

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