quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL E AS PRIMEIRAS LUTAS: ESCRAVOS, LIBERTOS E IMIGRANTES

Desde o fim do tráfico de escravos em 1850, a questão da substituição da mão-de-obra escrava nas lavouras de café tornou-se uma questão crucial para os cafeicultores. Foi no Estado de São Paulo, onde se localizava o núcleo dinâmico da economia cafeeira, que foram tomadas as medidas concretas para viabilização da importação de mão-de-obra através de financiamento público. A estratégia  da aristocracia cafeeira foi prolongar ao máximo a manutenção da escravidão através de sua extinção lenta e gradual, que começa com a proibição do tráfico em 1850 e só terminará quase quarenta nos depois em 1888 com a abolição. Por outro lado, paralelamente  ao trabalho à manutenção do trabalho escravo, os produtores foram articulando uma política de substituição de mão-de–obra através da imigração estrangeira.

Esse processo de substituição de mão-de-obra escrava pela mão de obra imigrante foi tratado por parte da historiografia como duas formas de trabalho isoladas que, de certa forma, se opunham e que não conseguiram conviver entre si. Nessa concepção a escravidão dificultaria e até entravaria o processo de formação do proletariado como classe. Esse pressuposto está longe de ser verificada como podemos atestar em vários exemplos em que até mesmo em  fábricas, as duas formas de trabalho podiam coexistir. Por exemplo: “Dos operários registrados nas manufaturas do Rio de Janeiro entre os anos de 1840 a 1850 – especialmente nas fábricas de vidro, papel, sabão, couros, chapéus e têxteis -, 45% eram escravos. Além disso, o recenseamento de 1872 apontou que no Rio de Janeiro havia mais de dois mil operários cativos empregados em pequenas fábricas”. (NEGRO & GOMES. 2007. p. 63)

Nesse sentido, ao pensarmos a formação da classe trabalhadora brasileira, temos que pensá-la como fenômeno histórico em termos da sua heterogeneidade e complexidade  própria da sociedade brasileira. Dito de outra maneira, a classe trabalhadora desde a sua formação é constituída por negros, mestiços, índios - homens e mulheres - que viviam nas cidades e no campo com culturas distintas  que expressaram suas demandas através de lutas concretas contra a opressão e a exploração.

A greve dos tipógrafos do Rio de Janeiro ocorrida em 1858 é tida como a primeira greve do país. No entanto, João José Reis assinala que em 1857 ocorreu uma greve de escravos em Salvador  na Bahia que ele denominou de “Greve Negra”. A paralisação que envolveu centenas de escravos “ao ganho”[1]–  na sua maioria africanos “nagôs”- durou duas semanas interrompendo os serviços de abastecimento e transporte do porto. Os grevistas protestavam contra a determinação da Câmara Municipal que exigia mudanças na lei que interferiam nas relações senhor e escravo e na forma de organização do trabalho. No mesmo ano, os trabalhadores escravizados pertencentes ao Barão de Mauá se recusaram a trabalhar na fábrica Ponta D’Areia que era um dos maiores estabelecimentos do Rio de Janeiro, com cerca de dez oficinas e 600 operários, sendo 150 deles escravos. Ainda como Observam Antonio Negro e Flávio Gomes: “São várias  as evidências de paralisações feitas por escravos nas indústrias. No final da década de 1820, cativos, africanos livres e outros trabalhadores param a fábrica de Pólvora Ipanema, controlada pelo Estado Imperial. Reivindicavam melhorias nas condições de trabalho, como diárias e dieta alimentar. No Rio de Janeiro em abril de 1833, um levante numa calderaria trouxe apreensão, com escravos enfrentando a força policial havendo tiros e mortes”    

Trazemos o relato dessas lutas porque são questões importantes para a formação política dos militantes, assessores e dirigentes sindicais. Pois se trata antes de tudo em reconhecer os escravos como trabalhadores dotados de autonomia e protagonismo social no cotidiano das suas terríveis condições de trabalho.

Para Saber mais:
Negro, Antonio Luigi e GOMES, Flávio dos S. As greves antes da “Greve”. Revista Br-História. Ano 1 n. 2, 2007.
REIS, João.  A greve negra de 1857 na Bahia. In: Revista USP, nº 18, 1993.
GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombos Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.
DOMINGUES,          Petrônio. Uma história não contada negro, racismo e branqueamento em São Paulo: editora Senac 2005
VITORINO, Artur José R. Máquinas e operários – mudança técnica e sindicalismo gráfico (São Paulo e Rio de Janeiro – 1858-1912). São Paulo, Fapesp/Anablume, 2000.




[1]              Escravos que alocavam seus serviços no mercado: carregadores, vendedores ambulantes, quitandeiras obrigando-se a dar uma parte dos seus ganhos ao seu senhor.

Fonte: https://cut.org.br

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