Os que tramam a destruição do país pensam que são imortais.
José Álvaro de Lima Cardoso*.
A tentativa de implantar a PEC 287, que
desmonta o sistema de Previdência Social, foi adiada para fevereiro, graças à
pressão popular. Esta, claro, poderia ter sido muito mais forte, mas foi o
suficiente para uma vitória parcial do movimento social e trabalhista. A
explicação para a não aprovação agora, está no alcance da contrarreforma: ela
irá tirar renda e deixar mais pobres 100 milhões de brasileiros, praticamente
metade da população, que dependem direta ou indiretamente da Seguridade Social.
O objetivo encoberto da contrarreforma, inclusive, é entregar a previdência
para o setor privado, abrindo um mercado bilionário para os bancos, movimento
observado também em outros países da América Latina. Essa derrota dos
golpistas, mesmo que parcial e localizada, foi relevante. Ela decorreu de uma
série de fatores, como as ações mais incisivas por parte do movimento popular,
ainda que isoladas. Por exemplo, foi importante a greve de fome iniciada por
três membros do Movimento dos Pequenos Agricultores no dia 05 de dezembro, e
que se manteve até o adiamento da data da votação da contrarreforma. Quando a
greve terminou, em 15 de dezembro, já haviam mais de 40 pessoas em greve de
fome no país todo, com possibilidades de ampliação do movimento. Ações deste
tipo mostram, por um lado, desespero com a destruição do tecido social
brasileiro e revelam o grau de rejeição que têm as políticas do golpe. Por
outro lado, ações deste tipo carregam um potencial de radicalização, que ao que
tudo indica, no caso da previdência foi farejado pelos estrategistas do golpe.
O adiamento abre um pouco mais de tempo para desmontar o conjunto de mentiras
que espalham em relação à previdência. Por exemplo, a de que o problema fiscal
brasileiro decorre do aumento dos gastos sociais, de saúde, educação,
funcionalismo, etc. Ou de que a previdência social tem déficit, quando se sabe
que ela faz parte do sistema de Seguridade Social, que é amplamente
superavitário. Além disso, ao mesmo tempo em que o governo quer retirar
benefícios alegando o déficit da previdência, encaminha ao Congresso Nacional
uma Medida Provisória (795/2017), conhecida como MP da Shell, aprovada no dia
05/11 na base do rolo compressor, que concede benefícios fiscais para
multinacionais petroleiras, que alcançarão R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos. O
potencial de mobilização da população na questão da seguridade social é muito
superior, por exemplo, ao de mobilização na luta contra a destruição das leis
trabalhistas e da estrutura sindical. Num país que tem baixa taxa de sindicalização
é difícil a população enxergar a importância estratégica dos sindicatos. Com a
previdência social é diferente. Atinge diretamente a renda, por exemplo, de
quem ficou anos pagando o sistema e que percebe que, com a proposta de
contrarreforma, jamais se aposentará. O potencial de envolvimento da população
com essa luta, portanto, é muito superior. O ataque à previdência é
especialmente importante, em função do aumento da pobreza, decorrência da
recessão que vem desde 2014. No dia 15 último o IBGE divulgou a Síntese de
Indicadores Sociais (SIS), que traz dados extremamente preocupantes. Segundo o
estudo o Brasil tem 24,8 milhões de brasileiros que vivem com renda inferior a
¼ do salário mínimo por mês, o equivalente a R$ 220. O resultado mostra um
aumento de 53% na comparação com 2014, início da recessão. O referido número de
brasileiros que vive na miséria representa 12,1% da população do país. A
Previdência Social e a Assistência Social (que compõem o sistema de Seguridade)
impedem que estes indicadores sejam ainda piores. A esmagadora maioria dos
benefícios da Previdência Social, quase 70%, é de um salário mínimo, levando a
um elevado efeito distributivo. Os argentinos, recentemente mostraram como se
lida com propostas de destruição da previdência. No caso do país vizinho a
contrarreforma proposta pelo governo prejudicará os ganhos de 17 milhões de
cidadãos. Por exemplo, o próximo reajuste nos vencimentos, previsto para março,
cairia de 12% para 5,7%. A proposta é de reajustar as aposentadorias com base no
cálculo de inflação e não com base na arrecadação tributária e na média de
aumentos salariais no país, como é feito atualmente. A proposta unificou a
resistência do movimento sindical argentino e apesar do governo Macri, ter os
votos para passar a proposta, a reação vigorosa da sociedade levou ao adiamento
da votação. É possível que o projeto passe, porque Macri utiliza a máquina
estatal para obter adesões de governadores, apesar de não ter maioria no
Congresso. A investida contra os direitos e a renda dos trabalhadores, ocorre
no mundo todo e tem a mesma origem: os interesses do capital financeiro
internacional. A contrarreforma trabalhista, já em vigor no Brasil, foi
realizada em mais de 110 países. Somente com essa lei teremos, no médio prazo,
a maior transferência de renda dos trabalhadores para os empresários, da
história. Isso no cenário brasileiro, de recessão profunda ou de baixo
crescimento. O governo Macri, fortalecido pela vitória nas eleições
legislativas, irá tentar aprovar uma contrarreforma trabalhista, semelhante à
aplicada no Brasil. Argentina e Brasil têm diferenças importantes: Macri não
dispõe de maioria parlamentar e, talvez, o movimento sindical tenha uma maior
capacidade de resposta para esse tipo de ataque. O governo argentino ganhou as
recentes eleições legislativas, aqui o governo não tem 3% de aprovação. Mas têm
também muitas semelhanças: operam retirada de direitos, destroem o tecido
social e entregam patrimônio público e riquezas naturais. No Brasil, um dos
mentores da destruição da previdência social, que deseja que um idoso miserável
receba menos que um salário mínimo, Henrique Meirelles, recebe, desde os 57
anos, uma aposentadoria de US$ 750 mil anuais, equivalente a mais de R$200.000
mensais. Em 2016, quando assumiu o Ministério da Fazenda por força do golpe
mais sórdido da história do Brasil, Meirelles teve renda de R$ 217 milhões.
Renda que um trabalhador jamais irá obter, mesmo que pudesse trabalhar durante
várias vidas. Ele e seus amigos banqueiros, tramam contra a população, dia e
noite. Em sua prepotência, pensam que são imortais.
*Economista.
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