segunda-feira, 3 de julho de 2017

O Novo Sindicalismo e a Fundação da CUT


Organização e Representação Sindical de Base


MÓDULO II

Autores:
Ana Paula Melli
Hélio da Costa
Lenir Viscovini

Nesta versão com a colaboração
de Archimedes Felício Lazzeri

APRESENTAÇÃO

O eixo temático deste caderno é o novo sindicalismo e a fundação da CUT, ou seja, o cenário político do final dos anos 70, com novos personagens sociais e novas práticas, valores e representações que mudaram o rumo do projeto de “redemocratização” traçado pelo regime à época da transição lenta, gradual e segura.

Assim, ao contrário do que fazem os historiadores tradicionais, a história da CUT é apresentada aqui como processo, com escolhas difíceis, carregadas de despreendimento e determinação e, ao mesmo tempo, com contradições que ainda hoje nos acompanham. É o caso da estrutura sindical oficial, cujos pilares ainda persistem apesar dos avanços e conquistas do novo sindicalismo e da CUT.

Os impasses no interior do movimento sindical nos difíceis anos de chumbo não foram poucos. É importante destacar que os blocos sindicais que se faziam presente no período da fundação da CUT tomaram, nesses 30 anos, caminhos próprios e controversos. Assim, a pluralidade que temos hoje, pelo menos no que diz respeito às centrais sindicais, não pode ser definida como uma nova realidade sem qualquer relação com o passado.

O caderno não tem a pretensão de responder a todas as questões que desafiam nossos quadros dirigentes de hoje, mas pode contribuir com a reflexão necessária sobre as relações entre concepções e ações do passado e do presente dos diferentes grupos ou tendências que, a seu modo, disputavam a direção do movimento sindical brasileiro, tal como no capítulo “As articulações sindicais e a fundação da CUT”, que traz elementos para uma profunda reflexão sobre a relação entre as diferentes centrais sindicais de hoje e os agrupamentos sindicais da época: unidade sindical que reunia sindicalistas sob a influência dos partidos de esquerda do passado; os sindicalistas independentes ou autênticos, que tinham Lula como principal liderança; as oposições sindicais; e os ativistas de extrema esquerda.

Assim, a compreensão do novo sindicalismo exige ir além do conhecimento da história das lideranças e dos acontecimentos, pois se trata de um processo sem paralelo na história do Brasil, embora guarde relações com passado de lutas do povo brasileiro. A diferença fundamental está nas práticas e significados de uma “nova esquerda” que já não é mais representada por uma vanguarda portadora de saberes e teorias pré-elaboradas.

O caderno procura evidenciar que estas novas práticas e novos discursos agora são elaborados por dirigentes formados pelos próprios sindicatos e movimentos populares, no enfrentamento direto com o capital e com o estado. Pretende também, provocar uma reflexão sobre como estas novas práticas e novos discursos se articularam nacionalmente, criando as condições necessárias para a fundação da CUT.
A leitura crítica da nossa história é condição necessária para que possamos construir novas alternativas à cultura neoliberal que domina os aparelhos do estado e sociedade. Parte desse desafio diz respeito à reflexão sobre nossas próprias organizações, pelo menos se o objetivo visa a atualização do projeto sindical da CUT.
           
Portanto, o objetivo do caderno é contribuir para o fortalecimento das nossas utopias sobre um novo padrão de desenvolvimento e de relações sociais, com igualdade, justiça e direitos para todos, tarefa maior do trabalho da formação sindical.
Boas Reflexões.

PARTE I
Os novos movimentos sociais: anos 70 e 80 no Brasil

“...nenhum modo de produção, nenhuma ordem social dominante e portanto nenhuma cultura dominante, nunca, na realidade, inclui ou esgota toda a prática humana, toda a energia humana e toda a intenção humana”.
Raymond Williams

O período dos anos setenta no Brasil, como sabemos, não era propício para ações políticas, nem individuais, tampouco coletivas. Vivíamos em plena ditadura civil-militar, instaurada no país em 1964, que impôs um regime sustentado pelo uso da força e da repressão política sobre todas as formas de liberdade humana. Mas é justamente neste período - segunda metade dos anos setenta – que emergem diversos movimentos sociais na cena política brasileira. Eram movimentos populares que não constituíam sujeitos políticos homogêneos, ao contrário, se caracterizavam pela heterogeneidade e diversidade e reivindicavam inúmeras causas. Essas reivindicações que definiam coletividades que passavam pelas lutas travadas pelos sindicatos, pelos moradores de bairros, pelas mulheres, pelos negros, pelas comunidades de base ligadas a igreja, pelos índios, pelos trabalhadores rurais, etc. As causas em torno das quais tais movimentos se estruturaram eram:
-     direito a liberdade e autonomia dos sindicatos,
-          direito a greve
-          direito a igualdade de condições para mulheres trabalhadoras
-          direito a moradia
-          direito a creches
-          direito a saúde
-          direito a distribuição das terras aos sem-terras
-          direito a educação
Devido a sua forma autônoma de organização coletiva, que os distinguia de outros períodos da história, foram logo chamados de “novos movimentos sociais”.  É possível dividir a chegada dos novos movimentos populares entre aqueles que surgiram nos anos setenta onde os sujeitos desses movimentos se constituíam por grupos de operários fabris e grupos de moradores de bairros, e aqueles que surgem na década de oitenta, grupos estes que já tinham trajetórias em períodos anteriores, como o movimento de mulheres, o movimento negro e os movimentos rurais e indígenas. Em todos eles foi possível identificar “um sentido inovador” que de acordo com Paoli (1995, p.31) tinha por objetivo construir novas referências para a sociedade “em relação à singularidade de diferentes condições sociais antes anônimas como dimensão política”. Estes segmentos ou grupos, cada qual a seu modo, - mas todos organizados de forma autônoma - vão criar espaços coletivos para discutir suas necessidades e interesses que irão influenciar e alterar a dinâmica da sociedade.
Esses movimentos populares ao reivindicarem, protestarem e atuarem não expressavam apenas uma reação contra a ditadura; resumir as suas ações a esta reação seria desconsiderar o caráter reivindicativo e de exigência ao atendimento de suas necessidades concretas e  deixar de lado a luta pela ampliação do acesso ao espaço político e aos benefícios  econômicos; a ação dos movimentos era forte naquilo que expressavam enquanto interesses e necessidades econômicas e políticas.



NOVOS SUJEITOS E NOVAS PRÁTICAS POLÍTICO-CULTURAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA

O que caracteriza e define os novos movimentos da década de setenta é o que designou Sader (1995, p.143, 144) como sendo “novas configurações sociais assumidas pelos trabalhadores” através de “novos padrões de ação coletiva” e o que permitiria falar na “emergência de novos sujeitos”.  Sader, analisando as experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo entre 1970 e 1980, identifica que nas lutas sociais deste período os sujeitos envolvidos elaboravam representações sobre os acontecimentos e sobre si mesmos e para essas reelaborações recorriam a matrizes discursivas constituídas, de onde extraíam referências para a prática cotidiana. Para o autor, pode-se identificar na década de setenta a presença de “três agências” ou “centros de elaboração discursiva” que visavam o cotidiano popular. Essas agências passam a reelaborar o cotidiano popular na ótica de uma luta contra as condições dadas. Neste sentido, o autor aponta três instituições em crise que abrem espaços para novas elaborações, tendo cada uma delas experimentado a crise sob a forma de um descolamento com seus públicos respectivos; essas agências buscam novas vias para reatar suas relações. Vejamos quem são elas e como surgem:

-          Da igreja Católica, sofrendo a perda de influências junto ao povo, surgem as comunidades de base.
-          De grupos de esquerda desarticulados por uma derrota política, surge uma busca de ‘novas formas de integração com os trabalhadores’.
-          Da estrutura sindical esvaziada por falta de função, surge um ‘novo sindicalismo’.

De acordo com Sader (1995, p.143,144), tanto a incidência social quanto a consistência argumentativa eram desiguais nas três agências, segundo o autor:

“a matriz discursiva da teologia da libertação, que emerge nas comunidades da igreja, tem raízes mais fundas na cultura popular e apóia-se numa organização bem implantada. (...) A matriz marxista não dispõe dessa base, enfrenta uma profunda crise e ainda os grupos que a sustentavam vinham de uma derrota desarticuladora; ela traz, no entanto, em seu benefício, um corpo teórico consistentemente elaborado a respeito dos temas da exploração e da luta sob (e contra) o capitalismo. A matriz sindicalista não extrai sua força nem das tradições populares nem da sistematicidade teórica, mas do lugar institucional em que se situa lugar constituído para agenciar os conflitos trabalhistas.”

Importante dizer que apesar da divisão das agências/matrizes, os sujeitos, naquele contexto histórico se encontravam e interagiam nos diferentes espaços instituídos das lutas dos respectivos movimentos. Um exemplo disso é que não eram poucos os sujeitos que ligados às estruturas sindicais também atuavam nas comunidades de base da igreja. Também cabe lembrar nesse mesmo sentido que os grupos de esquerda (marxistas) atuavam por meio de suas práticas inserindo-se e integrando-se nos diversos movimentos ligados à igreja e ao movimento sindical.
Verifica-se então, a partir desses referenciais, neste período, a formação de várias coletividades que a partir de suas necessidades expressavam seus interesses e ao mesmo tempo buscavam construir suas identidades enquanto grupo. Os movimentos sociais tiveram de construir suas identidades enquanto sujeitos políticos precisamente porque estas eram ignoradas nos cenários públicos instituídos;  basta considerar que não havia liberdade de expressão no país. Não havia na sociedade espaço algum de participação política para esses sujeitos, seus anseios não encontravam nenhum canal público de comunicação, além daqueles tradicionais; a família, os vizinhos, os amigos.
As necessidades e as carências reivindicadas pelos movimentos podem ser definidas de diferentes modos e níveis o que dava aos movimentos de acordo com Durham (1984, p.27) formas “muito flexíveis de mobilização” e que levaria a operarem “... cortes muito diversos uns dos outros, definindo coletividades de tipo muito diferente”. Para alguns essa diversidade significava um problema, uma vez que conduziria a fragmentação da luta geral, seria mesmo um empecilho para a universalização dos interesses e dos direitos. Podemos dizer então que os movimentos emergiam fragmentados e de acordo com Sader (1995, p.198) se reproduziam enquanto formas singulares de expressão “... embora tenham desenvolvido mecanismos de coordenação, articulação, unidade, eles se mantiveram como formas autônomas de expressão de diferentes coletividades, não redutíveis a alguma forma ‘superior’ e ‘sintetizadora’”. Para as coletividades construídas o importante era buscar a unidade da luta na diversidade cultural. Esta diversidade dos movimentos populares até a década de setenta havia passado, em sua maioria, pela ação unificadora do Estado, de partidos ou pela própria esquerda (considerada vanguarda dos trabalhadores), que determinavam segundo seus interesses os lugares e as vozes dos sujeitos. A esta ação e interferência externa (Estado, partido) os movimentos resistiam com toda força, uma vez que as experiências anteriores haviam apontado os problemas dessa atuação. A esquerda atuante nos mais diversos movimentos populares repensava neste momento histórico as suas práticas e teorias reinterpretadas agora como muito “centralizadoras”, buscando “novas formas de integração com os trabalhadores” para a realização da ação política.  Ainda que essa luta política dos movimentos possa ser identificada como plural, fragmentada e até mesmo contraditória, essas contestações e ação não devem ser entendidas como subprodutos das lutas políticas, mas como constitutivas dos esforços dos movimentos sociais para redefinir o significado da atuação, reivindicação e participação política na sociedade.
Ao atuarem nos mais variados espaços em nome de causas diferenciadas, os movimentos populares foram construindo caminhos alternativos para a participação política. Conforme analisa Carvalho (1998, p. 9), na inexistência de espaços públicos para discussão das diversas demandas sociais e dos conflitos “... o cotidiano, o local de moradia, a periferia, o gênero, a raça tornam-se espaços e questões públicas, lugares de ação política, constituindo sujeitos com identidades e formas diferentes daquelas do sindicato e do partido”. Nem por isso a luta foi menos importante, ao contrário, os movimentos populares inventaram-se sujeitos ampliadores da própria esfera da política, tão reduzida aos meios institucionais e palacianos do poder. Demarcaram a importância do espaço local ou do “poder local” como forma concreta de realizar a ação política.
Trata-se então, de um período novo e um marco na história da organização popular no Brasil, com uma ampliação e pluralização de movimentos sociais que vão se posicionar em busca de seus direitos e de seu lugar na política e na história. O elemento novo na década de setenta será então o caráter, já citado, de autonomia de organização dos sujeitos seja em relação ao Estado seja em relação a partidos políticos. Os movimentos criaram uma “cultura participativa e autônoma” que se multiplicaram pelo país, nos bairros, nos campos, nos sindicatos, onde os sujeitos coletivos apareciam para expressarem suas vontades, necessidades e interesses políticos.
Num primeiro momento, podemos dizer que os movimentos populares lutaram pelo acesso aos direitos sociais básicos, como o direito à educação, a moradia, a saúde, etc, mas essa noção aos poucos foi sendo ampliada à medida que passaram a lutar também “pelo direito a participar da redefinição dos direitos”, ou seja, quando travaram também uma luta política contra a cultura autoritária e excludente da sociedade brasileira. Quando passaram a incorporar em sua prática social a necessidade de realização de mudanças culturais na sociedade, como sendo um elemento fundamental para o processo de democratização e participação ativa na sociedade. De acordo com Paoli (1995, p.42), os movimentos sociais e sua fundamental reivindicação do “direito a ter direitos” - elaborada por diversos sujeitos antes ocultos por uma sociedade autoritária e excludente - invadiam e modificavam o sentido estrito da transição democrática”. Podemos perceber aqui a conexão entre cultura e política como constitutivas da ação coletiva dos movimentos populares. A luta que era por necessidades básicas, simbolizadas por reivindicações específicas aprofunda-se através da percepção dos movimentos de que para além das conquistas imediatas ou mesmo para garanti-las e ampliá-las era preciso tentar  interferir e alterar os parâmetros sociais estabelecidos pela cultura dominante. Cultura essa da não participação, da exclusão das classes desfavorecidas no espaço público.
Neste sentido, podemos dizer que a originalidade dos movimentos sociais da década de setenta e oitenta consiste também no fato de que ao se organizarem em torno do direito a liberdade e a participação política eles ampliaram a questão da cidadania, fazendo-a passar do plano político institucional ao da sociedade como um todo, entendendo a cidadania como participação política ativa na sociedade, como interferência  política. As suas reivindicações coletivas não eram pela tomada do poder reduzido ao poder do Estado, mas conforme aponta Chauí (1993, p.62), “a luta pelo direito de se organizar politicamente e de participar das decisões”. Entendia-se que o poder estava em todos os lugares a ser preenchido por meio da ação política travada pelos vários movimentos. A luta organizada não era nesse momento pela tomada do poder, mas para a conquista do poder presente nos espaços da sociedade civil, seja no bairro, na escola, no sindicato, na fábrica, etc. Essa reivindicação visava romper com a estrutura hierárquica do poder autoritário da sociedade.
As novas práticas sociais inauguradas pelos movimentos populares redefiniram o espaço da política; fazer política não estava mais restrito ao Estado e aos partidos. Ao lutar por direitos, os novos movimentos se colocavam tanto contra as relações desiguais entre governantes e governados – aqueles que teriam o poder contra aqueles que em tese não teriam poder algum -  como contra o autoritarismo das próprias relações cotidianas. Nesse sentido, os movimentos sociais questionaram o próprio lugar ou lugares em que está o poder na sociedade.
Cabe considerar ainda que, ao lutar pelos seus direitos e pela ampliação dos mesmos, os movimentos sociais mantinham nos anos setenta uma posição antagônica e de resistência ao Estado autoritário e que com o processo de democratização da sociedade, já na década de oitenta - no qual a presença e interferência dos movimentos populares foi marcante e definidora -, essa relação muda e muitos movimentos passaram a atuar nos novos canais institucionais do poder público. Isso se intensificou e ampliou-se com o processo Constituinte em 1988 e no decorrer da década de noventa, onde tornou-se cada vez mais evidente e intensa a participação dos movimentos sociais na reivindicação de “participar da redefinição dos direitos” e da “gestão da sociedade”.  Esse momento marca uma segunda fase dos movimentos sociais, que é sua institucionalização, e do refluxo de atuação dos movimentos sociais em nossa sociedade; questão essa que não aprofundaremos aqui.
Cabe considerar que através dessas lutas e desse processo, aqueles que sempre estiveram distantes dos espaços de decisão política, os de “baixo”, puderam se apresentar com suas propostas e projetos em espaços de poder antes inexistentes, como os espaços criados por governos do campo democrático e popular, em geral em administrações municipais do Partido dos Trabalhadores. Nesse período, muitos movimentos sociais passaram a ter voz e voto em conselhos e fóruns, contribuindo diretamente para que a democracia fosse alargada, com participação direta e com a conquista de novos direitos.

Desta forma, ao se falar dos avanços alcançados no processo de democratização da sociedade e na construção de espaços públicos é preciso considerar a inegável presença e participação ativa dos movimentos populares na luta por liberdade, justiça e igualdade social. A história mostrou que, mesmo com os riscos inerentes a fragmentação, essa dinâmica dos movimentos sociais teve papel decisivo na construção de novos parâmetros sociais, imprimindo ritmos diferenciados que levaram, apesar de todos os limites do processo, a alterações importantes na prática política e cultural da sociedade brasileira.


Segundo o contexto descrito, o movimento social teve três matrizes. Que matrizes foram estas e  de que forma isso explica a pluralidade de posições políticas no interior dos movimentos, como por exemplo o movimento sindical?
As reivindicações dos movimentos sociais ultrapassaram as barreiras das pautas sindicais. Como o grupo percebe a ação sindical voltada para as demais áreas da vida social em seus sindicatos?

PARTE II

As origens do novo sindicalismo


As greves que mobilizaram milhares de trabalhadores no final dos anos 70 marcam um período de mudança histórica no movimento sindical brasileiro. Porém, nem mesmo os protagonistas daquele momento, por mais otimismo que carregassem em suas mentes e corações, jamais imaginariam que estariam imprimindo uma marca tão significativa no sindicalismo brasileiro que mudaria definitivamente a história política do país.
O ponto inicial desse ciclo de lutas é a greve na fábrica Saab Scania do Brasil, deflagrada no dia 12 de maio de 1978. É nesse momento que o “novo sindicalismo” emerge na cena política do país chamando a atenção de amplos setores da sociedade, por meio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
O relato da greve aponta para o clima de insegurança e medo que cercava o ambiente sindical daquele período e se refletia nas ações dos militantes e dirigentes sindicais, que começavam a enfrentar de maneira mais aberta o regime militar:

Começou a ficar aquele clima dentro da fábrica, no sindicato, nas assembléias. Clima assim de greve. Mas, não se falava a palavra greve. Falar a palavra greve assustava {...} mas, o clima continuava, aquele clima pesado...
Então surgiu da parte da gente: que tal a paralisação? Para que a gente reivindicasse, exigisse o salário. Aí muitos falavam: Vocês não viram em 77, a ferramentaria começou a pressionar, e conseguiram?
Mas a palavra greve é que estava difícil de sair. Então, o pessoal propôs parar dentro da fábrica. Parar, mas não era greve. Era uma parada. Então, a gente saía pelas seções, os companheiros mais conscientes, e começaram a conversar: que tal uma paralisação? Vamos parar aí, que você acha e tal. Aí fomos vendo que o pessoal ia topando e nós íamos pedindo a esses companheiros que toparam de cara, principalmente os da ferramentaria, para fazerem contato já com outro pessoal[1].  

Depois da Scania, outras empresas são atingidas pela greve, como a Mercedes Benz, a Ford, Motores Perkins etc, as paralisações chegam até as cidades vizinhas como Santo André, São Caetano e São Paulo. Governo e patrões adotam uma política de inflexibilidade diante das reivindicações dos trabalhadores. As empresas que tinham sinalizado com a possibilidade de negociação, como a Mercedes e a Scania, foram obrigadas a recuar nas suas intenções, pressionadas pela ANFAVEA (Associação Nacional de fabricantes de Veículos Automotores).

A disseminação das greves em 1978, num claro enfrentamento contra o regime militar criou uma divisão nítida no movimento sindical:

-          Um pólo combativo de militantes das oposições sindicais e novos dirigentes que defendiam a mobilização, a organização autônoma dos trabalhadores e o enfrentamento através da greve, quando necessário.
-          Outro pólo, composto por dirigentes sindicais, que estavam acomodados na estrutura sindical e que se viam ameaçados pela combatividade das oposições.
-          E um terceiro segmento, formado por militantes e dirigentes ligados a agrupamentos da esquerda (especialmente do Partido Comunista Brasileiro), que apesar de reconhecer a legitimidade das demandas dos trabalhadores, achavam que o momento político vivido pelo país era muito delicado e a prioridade da agenda da nação era a garantia da abertura democrática e, portanto, o momento não era de confronto, o que não significou, por sua vez, que não dessem apoio as lutas operárias.

Embora a ocorrência de greves não fosse um acontecimento ausente da cena sindical, o fato é que a greve na Scania teve um significado muito maior do que qualquer greve de fábrica ocorrida ao longo dos difíceis anos 70.

Assim, o sindicato procurava combinar várias práticas de resistência no interior da fábrica, numa contraditória vivência das condições de trabalho, “um novo tipo de ação sindical que procurava utilizar ao máximo as limitadas possibilidades da institucionalidade existente e, ao mesmo tempo, questioná-las” (Abramo. 1999:179). Essa percepção por parte do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema de que uma nova conjuntura muito mais desafiadora havia se descortinado para o sindicalismo brasileiro e que os dirigentes sindicais se defrontavam com difíceis escolhas que não mais poderiam ser adiadas.

O fato de estar localizado no centro dinâmico do capitalismo brasileiro e concentrar na sua base de trabalhadores as principais montadoras do país, colocou o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo no epicentro dessa nova conjuntura sindical. Ao incorporar para dentro do sindicato as reivindicações operárias daquele importante setor, que permaneceram reprimidas durante anos seguidos, os sindicalistas metalúrgicos de São Bernardo surpreenderão o país no ano seguinte ao liderarem a greve geral da categoria que mudará definitivamente os rumos do sindicalismo brasileiro.

Outro desdobramento importante das Greves de 1978 foi à eleição para a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, o maior sindicato de trabalhadores da indústria da América Latina. A oposição sindical metalúrgica que através de um persistente trabalho de organização dos trabalhadores nas fábricas durante vários anos, havia conquistado a maioria dos votos da base metalúrgica, porém, ao se dividir em duas chapas, a oposição dispersou energias decisivas, mas mesmo assim a chapa 3 da oposição aparecia como favorita à vitória no pleito eleitoral.

No entanto, a chapa da situação encabeçada por Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, que se consagrou como o dirigente-símbolo do peleguismo sindical naquela conjuntura de polarização do sindicalismo brasileiro, não sem motivos, porque ele e seus correligionários não economizaram no exercício das práticas fraudulentas, que contaram com a anuência do Ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, que deu posse a Joaquinzão, apesar do pleito ter sido impugnado por constatação de fraude. Esse episódio foi registrado no filme Braços cruzados, máquinas paradas de Roberto Gervitz e Sérgio Toledo Segal.

O saldo das greves de 1978 não se encerrou com a derrota da oposição metalúrgica em São Paulo. Além de várias fábricas paradas em novembro daquele ano, a oposição metalúrgica  organizará a greve geral da categoria no ano seguinte, que a exemplo do que ocorrerá no ABC paulista, marcará a conjuntura política do país.
 
Mas antes de descrevermos as greves que envolveram dezenas de milhares de trabalhadores em 1979 e 1980 e que mudaram a face política do país,  é importante resgatarmos o período antecedente, pois afinal, as greves não são acontecimentos que ocorrem como fruto do acaso, em geral, elas são precedidas de um trabalho cotidiano de organização e mobilização realizado por militantes, ativistas e dirigentes, que muitas vezes passam desapercebidos dos registros e da história por atuarem nos “bastidores”. Nesse sentido, faremos um breve relato da resistência operária nos anos de chumbo.

·         Quais principais lutas e greves aconteceram no seu estado ou cidade?
·         Relate o ano, as reivindicações, o desenvolvimento e o resultado dos movimentos.
·         Descreva o que estes movimentos significaram para sua militância?


Resistência silenciosa dos militantes sindicais no período da ditadura militar

As greves de massa foram antecedidas por uma persistente luta cotidiana dos militantes sindicais de vários agrupamentos da esquerda e da igreja católica que atuavam nas fábricas. Essas ações cotidianas foram uma espécie de resistência silenciosa à Ditadura Militar que atravessou um período de intensa repressão, especialmente a partir de 1968 depois das greves de Osasco. A partir de meados de 1970, a militância vai se rearticulando aos poucos e recupera antigas formas de organização, ainda de maneira muito cuidadosa e clandestina como forma de driblar a repressão.

Primeiro procurava-se mapear quais eram os problemas da fábrica que mais afligiam os trabalhadores e, então, procurava-se focar a luta em cima desse problema. Em algumas fábricas era a insalubridade a principal reclamação dos trabalhadores, noutras, eram os salários, e assim por diante.

Também se fazia o levantamento da fábrica do ponto de vista econômico e político. Por exemplo: qual grupo econômico pertence, qual sua situação no mercado, quais os pontos mais vulneráveis e as seções mais estratégicas; principais fornecedores e compradores, etc. Do ponto de vista político-sindical, eram pesquisados a tradição de luta dos trabalhadores da empresa (se havia ou não), número de sindicalizados, relação dos trabalhadores com o sindicato, etc.


Depois de algum tempo dava-se início ao trabalho de agitação e propaganda, dentro das possibilidades e limitações que a conjuntura política impunha. Por exemplo, eram elaborados “papagaios” e “mosquitos” pequenos pedaços de papéis com palavras-de-ordem que eram colados nas portas dos banheiros, vestiários, bebedouros, nas máquinas, etc. Apesar dos riscos, também se fazia panfletagem dentro da fábrica com pincel atômico e giz.

Os militantes não podiam abrir mão do mais antigo e eficiente instrumento de convencimento, que é o velho e bom bate-papo, que proporcionava os primeiros contatos e a verdadeira percepção dos que os trabalhadores realmente pensavam sobre o mundo do trabalho e sobre a visão de mundo mais geral.

Na medida do possível também se procurava vincular o trabalho na fábrica com o trabalho no bairro. Era uma forma de contornar a repressão e ao mesmo tempo ampliar fortalecer o trabalho de organização dos trabalhadores. Desta forma, eram mapeados os bairros onde se concentravam a maioria dos trabalhadores das empresas e também que tipo de organização preexistente havia no bairro, como: Associação de bairro; Igreja; clube esportivo, time de futebol. Não foi por acaso, que muitas lideranças sindicais que se destacaram nos final dos anos 70 e início dos anos 80 eram também lideranças nas suas respectivas comunidades atuando em diversos espaços do bairro. 

E assim nos duros anos de chumbo da Ditadura foi se construindo uma história de luta de resistência que ainda está por ser recuperada, e, que só chegou até nós, através dos depoimentos dos antigos militantes que protagonizaram essa história, como é o caso Raimundo Périllat, membro da pastoral operária e metalúrgico aposentado, que narra a greve ocorrida na Indústria Villares em 1973, na zona sul de São Paulo:

No início dos anos 1970, durante três anos, militantes da fábrica Villares, localizada na Zona Sul de São Paulo, preparam uma greve. Uma das primeiras ações foi realizar uma pesquisa – clandestina, claro – sobre o custo de vida e salários. O objetivo era medir o nível de comprometimento e combatividade no caso de uma greve ou mesmo uma operação tartaruga. Vale lembrar que nos bairros crescia o Movimento Contra a Carestia, organizado principalmente pelas mulheres.
O que facilitou a realização e o sucesso da greve foi a presença de vários operários “velhos”, com experiência de luta daqueles anos recentes. A exploração  e os salários baixos determinam a decretação do movimento grevista com a adesão de todos os operários, durante o dissídio coletivo de 1973, no segundo semestre.
No primeiro momento da greve não houve vitórias econômicas. Mas os operários que ficaram na fábrica continuaram com a operação tartaruga. Um mês depois, a empresa convocou o restante da comissão e outros para negociar[2].

O resultado dessa greve foi início do trabalho chamado pelos companheiros da oposição metalúrgica de inter-fábricas. Eram encontros de trabalhadores de várias fábricas de várias regiões. O trabalho clandestino ganhou novo impulso. Os demitidos  se empregavam em outras fábricas e a semente do trabalho de base se espalha por toda a categoria..



Esquerda Revolucionária e Igreja Católica

Na ditadura militar, o autoritarismo cerceia todas as formas de expressão da sociedade civil. São fechados quase todos os canais antes disponíveis de representação da classe trabalhadora. No movimento sindical, este fato se evidencia com a intervenção ocorrida nos sindicatos. Em uma grande parte deles, logo após o golpe militar de 1964, o exército destruiu a documentação histórica de diversas categorias e depôs as diretorias representativas das categorias.

No plano político partidário, a cassação de mandatos de parlamentares progressistas, a intervenção nas administrações públicas, a prisão, tortura e assassinato de dirigentes e militantes de movimentos de esquerda, são também um bom exemplo das formas de pressão utilizadas pelo Estado. Portanto, se por um lado o Estado asfixiou os espaços de expressão autônomos da sociedade civil, principalmente da classe trabalhadora, a sociedade por outro, procurou elaborar suas formas de resistência e auto-representação.

Uma das maneiras encontradas pelos movimentos de esquerda para enfrentar a ditadura militar a partir dos locais de trabalho foi à organização de Oposições Sindicais, que de modo geral foram compostas por organizações políticas, tais como:
- as de matriz marxista, como Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP), Ala Vermelha do PC do B (ALA), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Política Operária (PO) e Partido Comunista do Brasil (PC do B);
- as de matriz católica como a Ação Católica Operária e a Juventude Operária Católica.

A forma mais recorrente de atuação nas oposições sindicais era por meio da entrada de militantes nas fábricas como operários. Dava-se preferência às fábricas que tivessem uma grande concentração de trabalhadores (as maiores fábricas), que eram principalmente os estaleiros (EMAQ, ISHIBRAS e VEROLME) e a General Eletric no Rio de Janeiro ou fábricas como Volkswagen e Ford em São Paulo. Esses novos operários eram em geral jovens de classe média, estudantes/militantes universitários que atuavam em algumas dessas organizações políticas, que iriam então se "proletarizar" (isto é, tornaram-se operários com finalidades políticas).

Os "quadros" (militantes das organizações) tinham como função organizar a classe trabalhadora em suas bases, nos locais de trabalho e, convencê-los a fazer a revolução e superar a sociedade capitalista. Nessa concepção, a fábrica era considera o espaço onde a exploração do trabalho apresentava a sua face mais concreta e a luta sindical, como formação na prática, era o estágio necessário para que o trabalhador tomasse consciência das mazelas do capitalismo: baixos salários, autoritarismo das chefias, péssimas condições de vida.

A atuação no movimento sindical via oposição, era uma das formas encontradas pelos grupos de esquerda clandestinos, para "acelerar o processo revolucionário” (C. Frederico, 1987). As oposições eram o espaço privilegiado de atuação, pois "os sindicatos foram criados e estruturados pelo Estado burguês-latifundiário para que a classe dominante pudesse controlar e dominar o proletariado, não como instrumento de luta da classe operária e sim para evitar a luta" (C. Frederico, 1987). Portanto, eles buscaram uma outra via de acesso às bases,que era  seu principal objetivo. As oposições se comprometiam com a criação de organizações de base, comitês de empresas, conselhos de representantes de fábricas junto às diretorias sindicais.

           

Grupos de Oposição e Vida Sindical


            A atuação em bases operárias tinha uma importância fundamental para as organizações da esquerda brasileira. Como sabemos, na matriz marxista, a classe operária é a classe revolucionária que derrotará o capitalismo, portanto, cumpria aos militantes o dever de conscientizar o proletariado de seu papel revolucionário. Essa concepção ganhou um grande impulso. Historicamente, foram os revolucionários russos, liderados por Lênin, que disseminaram esse modelo de organização que valoriza o papel de uma Vanguarda Revolucionária, composta por membros conscientes politicamente, disciplinados partidariamente e dedicados prioritariamente à atividade revolucionária. Nele, os sindicatos são importantes espaços de conscientização da classe operária através da luta econômica, mas a luta econômica deve estar subordinada a luta política, e nesse sentido, a organização sindical deve estar submetida à organização partidária, ou seja, o partido é o grande instrumento da revolução.
   
Por maiores que fossem as cisões e os métodos aplicados, havia uma coincidência quanto aos objetivos, de acordo com Reis Filho (1980, p.119) “... os descontentes não se afastavam por divergência de princípios, ao contrário, mas por considerarem, que os princípios não estavam sendo devidamente observados”. Apesar de nuances em relação a alguns pontos que diferenciavam uma organização de outra, os programas das diferentes organizações tinham semelhanças ou aproximações, com o centralismo democrático, tal como foi definido e implementado pela concepção leninista de partido.

Esta tradição, não raras vezes causou muito desconforto entre os militantes que não se sentiam integrados totalmente na organização. Com isso, ganha força, entre alguns operários militantes que não se enquadravam dentro das organizações, a noção do “trabalhador autêntico”, que passou para o “militante autêntico” e finalmente o “dirigente autêntico”. Essa noção de autenticidade aparece como uma forma de demarcar aquele trabalhador comum que se engaja na luta, mas se autodefine como independente, do “militante profissional” de determinada organização que se proletarizou para fazer política.

No auge da luta contra a ditadura militar, havia por parte de algumas organizações de esquerda uma super-valorização de seu papel, e uma desvalorização dos militantes enquanto indivíduos, enquanto seres críticos. Ao ingressarem nas organizações de esquerda, os militantes tiveram que abdicar de sua individualidade no sentido mais amplo da expressão. É como nos aponta Reis Filho (1980, p125) “O saber e o poder de cada militante são dádivas do partido e da vida partidária. Por maiores que sejam suas capacidades, o militante nunca deverá esquecer duas coisas: suas prerrogativas e conhecimentos do Partido e, em segundo lugar, sua inserção no partido é que tornou possível possuir o que possui.”



Margarida Maria Alves (1943-1983) – Trabalhadora rural e Presidente do Sindicato de Alagoa Grande (PB). Em sua gestão de 12 anos, foram movidas mais de 600 ações trabalhistas contra os usineiros e senhores de engenho da região. Foi assassinada por pistoleiros, em 12 de agosto de 1983, diante do marido e dos dois filhos.

           
Nas páginas anteriores, observamos um pouco da história do sindicalismo que antecedeu às grandes greves de massa de 1979 e 1980, e que representou um período de acúmulo de forças através de um trabalho pulverizado, anônimo, quase silencioso, mas que foi fundamental para o avanço das lutas e para construção de um sindicalismo combativo originário das oposições sindicais e das novas direções que iam assumindo uma postura de apoio e liderança das lutas que iam brotando nos locais de trabalho. Essas lutas como já dissemos, permitiu o encontro de militantes das organizações de esquerda, dos militantes independentes “autênticos”, de militantes católicos que formaram a base do novo sindicalismo que com sua luta e seus princípios reescreveram as páginas do sindicalismo brasileiro. 
2          1ª\w/Debata em grupo se ainda hoje há reflexos na CUT e nos Sindicatos das ações feitas pela esquerda revolucionária e dos grupos ligados à Igreja Católica.



PARTE III
O Novo Sindicalismo e as Greves que Mudaram a Cara do País

Afinal, por que novo sindicalismo? O que significava velho sindicalismo? Cite algumas diferenças percebidas pelo grupo.

O chamado novo sindicalismo se insurge e se autodefine a partir de duas experiências, uma mais do presente e outra mais do passado: Primeiro contra as práticas de acomodação, burocratização do sindicalismos “pelego” que transformaram os sindicatos em máquinas de assistencialismo, como no caso paradigmático do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Lula em entrevista de 1978 expressa com clareza sua posição contra a burocratização do sindicalista:

“O dirigente sindical que se preza não pode em nenhum momento ver o sindicato como órgão empregatício que lhe dê um status. O dirigente sindical que se preza não pode deixar de denunciar as arbitrariedades existentes dentro de sua categoria. O pelego é a omissão do movimento sindical brasileiro. É de muita recepção, mas de pouca. participação. Um dirigente sindical que se preza não deveria se sujeitar a ser vogal, um juiz classista, apenas para ganhar dinheiro.” (Lula: entrevista e discursos. São Paulo: s.e, 1981.p.28, apud Mattos, 1998, p.64)

As demandas dos trabalhadores oriundas dos locais de trabalho não atravessavam a porta de entrada do sindicato que, por sua vez, também não atravessava o portão da fábrica. Eram dois mundos separados. Aos novos militantes eram vedados os espaços de participação dentro do sindicato. As aposições não tinham liberdade de expressão nas assembléias da sua categoria. Qualquer crítica a diretoria era tida como conspiração e os seus autores, muitas vezes, eram reprimidos de forma violenta. O novo sindicalismo localizado na sua maior parte no local de trabalho coloca como uma das questões fundamentais na sua luta a democratização dos sindicatos e o fim da intervenção do Estado na estrutura sindical através da adoção da liberdade e autonomia sindical.

O segundo aspecto em relação a experiência que o novo sindicalismo procura se contrapor diz respeito a sua desvinculação com o passado sindical do período 1945-1964, negação essa, que será também base de suporte para esse novos sujeitos se auto-proclamarem representantes de um “novo sindicalismo”. Em documento da década 1970 a oposição metalúrgica de São Paulo expressa sua visão em relação ao passado recente.

“Historicamente, está começando a segunda etapa do sindicalismo brasileiro. Não mais o sindicalismo dos tempos de Getúlio, ou de Jango, baseado na confiança e na expectativa do governo. Hoje está nascendo um sindicalismo novo, sem esperança do governo e sem meios-termos com os patrões. Sindicalismo que vê claro  o centro do problema: o problema político, problema da luta de classe... a lição fundamental é a seguinte: sindicalismo novo, verdadeiro, tem que nascer de baixo para cima, da. fábrica até a organização das várias fábricas em organização de classe: o sindicato”(citado por Mattos, 1998,p.62).  

Desta forma, as ações do “novo sindicalismo” deveriam ser entendidas como uma ruptura com as práticas do “velho sindicalismo”,dito populista, marcado pelo “vanguardismo”, pelo “cupulismo”, pelo distanciamento das bases e pela debilidade organizativa, características de um sindicalismo que se mostrou frágil para resistir ao golpe de 1964 e incapaz de romper com a velha estrutura sindical corporativa.

Dentro dessa perspectiva de análise, o pecado capital desse velho sindicalismo teria sido a estratégia de aliança com o populismo, inviabilizando a perspectiva de construção de um projeto autônomo por parte da classe trabalhadora, fruto das opções equivocadas da esquerda hegemonizada pelos comunistas, que subordinava a política sindical (que não questionava a estrutura sindical oficial) à estratégia do partido. Dessa forma o “sindicalismo populista” era visto como de cúpula, sem organização de base, corporativista e atrelado ao Estado. Além disso,  Em contraposição o novo sindicalismo que emergia no final dos anos setenta reivindicava um sindicalismo de massa, de base, democrático livre e autônomo do Estado e dos partidos.

Essa visão dicotômica e polarizada entre o passado e o presente, tem sofrido revisões tanto por parte da academia, como por parte dos próprios dirigentes da CUT. A própria dificuldade do sindicalismo cutista de romper com a estrutura sindical (inclusive com o imposto sindical), e efetivar de forma mais abrangente a organização sindical no local de trabalho tem levado os herdeiros do novo sindicalismo a olhar com mais humildade para as experiências do passado e reconhecer a importância do legado dos dirigentes que vivenciaram a experiência no período anterior a 1964.

Dessa forma, a CUT continua fiel aos seus princípios desde a sua origem na perspectiva de construir um modelo alternativo à atual estrutura sindical corporativista pautado nos princípios da liberdade e autonomia sindical, da organização sindical no local de trabalho, da organização dos ramos de atividade, do reconhecimento das centrais, do pluralismo e da democracia. A CUT reconhece que a sua prática ao longo dos anos contribuiu para forjar uma nova cultura sindical que a identificam como uma central classista e de luta. Mas ao mesmo tempo, reconhece que essa conquista também é tributária do esforço de antigas gerações que precederam o novo sindicalismo.    


1979: de Sul a Norte, inúmeras categorias profissionais fizeram valer, na prática, o direito de greve.

O ano de 1979 inaugurou a retomada das grandes greves de massa na história do sindicalismo brasileiro, cujo epicentro foram as greves dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema de 78, 79 e 80. A ressonância desses acontecimentos marcou a história política do país e imprimiu um novo curso no processo de abertura política levada adiante pelos militares, e, sobretudo, impactou a história da esquerda brasileira nestes últimos 25 anos.

O ano de 1979 é decisivo para a consolidação do novo sindicalismo e de um novo projeto de sociedade no Brasil. Os sinais de uma confrontação maior com o patronato também já se desenhavam no processo de encaminhamento das reivindicações dos trabalhadores. Um desses sinais pode ser observado nas orientações do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas do Estado de São Paulo (SIMESP), cuja recomendação aos associados era de que, “para enfrentar eventuais greves, deviam estocar a produção”. Atento aos lances patronais, o sindicato dos trabalhadores conclamava suas bases para que ninguém fizesse hora-extra e nem se esforçasse para aumentar a produção (Bargas e Rainho. 1983:118).

A campanha salarial dos Metalúrgicos do ABC de 1979 foi coordenada pela Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo e reuniu 34 sindicatos de todo o estado. Em reunião realizada no dia 31 de janeiro, foi deliberado o encaminhamento de uma pauta única, com 22 itens, que deveria ser submetida, por meio da realização de assembléias da categoria, à aprovação das bases de cada sindicato signatário das reivindicações. No caso dos metalúrgicos de São Bernardo, a direção do sindicato, prevendo uma batalha mais árdua, organizou inúmeras assembléias, intensificou o trabalho organizativo nas fábricas, e criou também, por meio de eleição direta, uma comissão de salários, com o objetivo de ajudar a direção na condução do movimento, no caso de uma greve geral da categoria (Antunes. 1988:44). Depois de três rodadas de negociações públicas, e, algumas secretas, os patrões se mostraram inflexíveis, apostando na divisão do movimento. Na assembléia do dia 12 de março, os trabalhadores decretaram a greve diante da negativa dos empresários, reafirmando a posição tirada em assembléias anteriores[3].

 

O movimento passou a contar no seu cotidiano, com grandes assembléias de massa, envolvendo 60, 70 e até 110 mil pessoas, que se reuniam no Estádio Costa e Silva que, a partir dessa greve, passou a ser conhecido como Estádio de Vila Euclides.

 

A ocorrência de piquetes, que procurava alcançar milhares de trabalhadores, também passou a fazer parte das imagens da greve. E quando a repressão se intensificou nas portas das fábricas, os piquetes se deslocaram para os bairros, mais precisamente nos pontos de ônibus, onde, longe dos olhos da polícia, havia mais tempo para dialogar e tentar convencer os trabalhadores indecisos a aderirem à greve. 



Já no segundo dia de paralisação, a greve foi considerada ilegal. Em relação ao reajuste, o Tribunal Regional do Trabalho propôs um índice de 44% a partir de 1º de abril de 1979, bem abaixo dos 65% proposto pelos representantes dos trabalhadores em reunião de conciliação.

Dando continuidade à tática de pressão sobre as lideranças do movimento, o Ministério do Trabalho abriu sindicância para apurar denúncias de infiltração de pessoas estranhas ao movimento com objetivo de desgastar o governo[4].  No domingo, dia 18, foi realizada uma assembléia com 80 mil trabalhadores acompanhados por mulheres e filhos. As lideranças se sentiram aliviadas diante do estrondoso sucesso da assembléia, pois havia muita insegurança sobre como os trabalhadores se comportariam no primeiro final de semana da greve, mas, ao invés da dispersão, os metalúrgicos saíram ainda mais mobilizados para enfrentar a semana seguinte.


Diante da perspectiva de descontrole do movimento por parte das lideranças, Lula é pressionado por outras diversas lideranças sindicais, que se solidarizavam com os metalúrgicos, e pelo comando de greve a reassumir a direção do movimento. Na manhã do dia 25 de março, após a missa que reuniu cerca de 20 mil trabalhadores na igreja matriz de São Bernardo, Lula e Benedito Marcílio reassumiram a direção da greve em São Bernardo e Santo André, respectivamente.

Depois de diversas reuniões, uma proposta de trégua foi apresentada pelos empresários e aceita pelos representantes dos trabalhadores. No dia seguinte, 15º dia de greve,
Lula, em assembléia da categoria, defendeu a proposta de trégua de 45 dias e retorno imediato ao trabalho. Apesar de algumas manifestações contrárias, a proposta foi aprovada pela maioria[5].

As comemorações do Primeiro de Maio, em São Bernardo do Campo, reunindo 130 mil pessoas, incluindo personalidades artísticas, e lideranças sindicais de várias regiões do Brasil, além de políticos e intelectuais que se solidarizaram com a luta dos trabalhadores do ABC, foram fundamentais para mudar os rumos dos acontecimentos, quebrando a intransigência patronal e fortalecendo politicamente os metalúrgicos do ABC, que se transformaram em referência na luta contra a Ditadura Militar. Às vésperas de expirar o prazo final da trégua, os representantes da FIESP e dos metalúrgicos do ABC celebraram um acordo que, depois de aprovado em assembléia, no dia seguinte, encerraria a campanha salarial de 1979.

De Sul a Norte, o direito de greve é conquistado na luta

Em Porto Alegre, no dia 5 de setembro de 1979, 10 mil bancários e bancárias deflagravam uma greve que mudou a história do sindicalismo no Rio Grande do Sul.
Seguindo o caminho dos metalúrgicos do ABC, os trabalhadores e trabalhadoras das agências bancárias de Porto Alegre paralisaram os serviços por 14 dias, manifestando-se em defesa de suas reivindicações e contra a ditadura militar, ampliando assim a luta do conjunto dos trabalhadores por liberdade, justiça e direitos.
Essa greve, como as demais, contou com a solidariedade de outras categorias de diversas cidades do Brasil. Lula se solidarizou com bancários, foi o orador mais aplaudido em assembléia que contou com a presença de 3.000 bancários ao fim da primeira semana de paralisação, mas foi impedido de visitar o líder dos bancários, Olívio Dutra, que se encontrava preso pelos órgãos da ditadura.
Em outubro do mesmo ano, aconteceu a greve dos metalúrgicos de São Paulo, comandada, na prática, pela oposição sindical. Quando a greve estava em franco declínio, acorreu o assassinato de Santo Dias da Silva, atingido por um tiro desferido por um policial, defronte a uma fábrica na Zona Sul da capital paulista. Esse episódio incendiou a greve, e o sepultamento de Santos Dias transformou-se em uma grande manifestação popular contra a ditadura. Também foi um momento importante de aproximação entre a oposição metalúrgica de São Paulo e com as lideranças sindicais de São Bernardo[6].
Sindicais, EME fevereiro de 1980 no Encontro de João Monlevade, Minas Gerais, cujo objetivo era mudar as formas de atuação sindical, fortalecendo os sindicatos e buscando a adesão de outros setores atuantes no campo e na cidade.
Na resolução final, os participantes do encontro se propunham a tarefa de realizar encontros como aquele em todas as regiões a fim de articular o movimento popular engajado na luta pela “libertação integral do povo brasileiro


A reação dos militares e a resposta do novo sindicalismo

Após a grande onda de greves que atingiu inúmeras categorias em todas as regiões do país no ano de 1979, o governo militar tomou medidas para amortecer o ímpeto mobilizador e reivindicatório dos trabalhadores. Decretou uma nova política salarial que estabelecia o reajuste semestral dos salários e a adoção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), fixado pelo governo, com reajustes maiores para as camadas salariais menores. Com essa política, a negociação salarial direta entre trabalhadores e empregadores acima do INPC, aumento real de salário ou recomposição de perdas, ficava restrita a um determinado índice associado à produtividade.

Do lado dos trabalhadores, com o aprendizado das greves do ano anterior, as campanhas salariais do ano de 1980 foram cuidadosamente preparadas pelos sindicatos, particularmente pelo sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, que contava com a possibilidade iminente de uma nova greve ainda mais difícil que a anterior.

Por isso, um intenso trabalho de mobilização nas fábricas e nos bairros foi posto em prática. Ao longo do segundo semestre de 1979 até março do ano seguinte, prevendo-se um conflito mais prolongado, e foi exatamente o que aconteceu[7].

Aproximadamente 60 mil trabalhadores, em assembléia no dia 30 de março, votaram pelo início da greve a partir de 1º de abril[8]. Começava mais uma batalha, desta vez de 41 dias, cujo impacto marcou profundamente a história do sindicalismo brasileiro e mudou os rumos da redemocratização, conferindo-lhe um caráter mais amplo do que pareciam prever, inicialmente, os militares.

A adesão à greve foi esmagadora, atingindo 90% dos 142 mil metalúrgicos em São Bernardo, sem que houvesse necessidade de se lançar mão da ação dos piquetes, como ocorrera no ano anterior, e com a importante adesão dos metalúrgicos de Santo André e São Caetano, os sindicatos de Campinas, Sorocaba, Taubaté, Santa Bárbara e Jundiaí.

Seguindo a orientação do sindicato, a proposta do TRT foi recusada em assembléia que reuniu mais de 100 mil trabalhadores no Estádio de Vila Euclides, que mesmo enaltecendo o fato de a greve não ter sido considerada ilegal como uma vitória dos trabalhadores, avaliava que a proposta feita pelo TRT não alterava em praticamente nada a proposta patronal recusada anteriormente. Num certo sentido, até a piorava, pois tirava Cr$ 800,00 do piso salarial, o que representava 10% dos salários menores.

A greve seguia sua dinâmica natural, com suas gigantescas assembléias de milhares de trabalhadores, reuniões por fábrica no sindicato, assembléia nos bairros, produção de material informativo, e arrecadação de alimentos e dinheiro por parte do Fundo de Greve, que passou a receber doações de entidades sindicais e de movimentos sociais de todo o país.
Com a solidariedade que vinha de trabalhadores e trabalhadoras de todo país, a direção do sindicato e os grevistas encontraram mais força para resistir às ações repressivas do governo, tanto pela declaração de ilegalidade por parte do TRT quanto pela força policial deslocada para a região do ABC, e das empresas, que sinalizavam com a disposição de intensificar as demissões e outras medidas disciplinares contra os trabalhadores.
 Desse modo, mesmo com a intervenção no sindicato, a prisão de Lula e de vários dirigentes sindicais a greve não terminou.  Além da direção que tinha Lula à frente, havia um comando de greve composto de dezesseis membros que substituiria a direção no momento em que ela fosse impedida de exercer suas funções. Havia ainda um escalão intermediário, formado por 45 trabalhadores, que se encarregava de transmitir as orientações à comissão de salário e à comissão de mobilização, compostas de 446 membros, que, distribuídos nas fábricas e nos bairros, faziam a ponte entre os grevistas e o comando da greve.

Essa estrutura organizativa conseguiu conduzir a greve apesar das dificuldades, reafirmando nas assembléias a disposição de continuar até a vitória, o que incluía a libertação dos líderes sindicais e o fim da intervenção sindical.





O 1º de maio de 1980, dia de luta e solidariedade

Naquele ano, em São Bernardo, o Dia do Trabalho foi comemorado por mais de 100 mil pessoas e se converteu numa das mais vigorosas manifestações da sociedade civil contra a ditadura militar e em apoio aos metalúrgicos diante das ameaças de demissão por justa causa e do terrorismo veiculado pelos meios de comunicação. Conforme descreveu Eder Sader:

Era a manhã ensolarada do dia 1º de maio de 1980, e as pessoas que haviam chegado ao centro de São Bernardo para a comemoração da data se depararam com a cidade ocupada por oito mil policiais armados, com ordens de impedir qualquer concentração. Já desde as primeiras horas daquele dia as vias de acesso estavam bloqueadas por comandos policiais que vistoriavam ônibus, caminhões e automóveis que se dirigiam à cidade metalúrgica. Pela manhã, enquanto um helicóptero sobrevoava os locais previstos para as manifestações, carros de assalto e brucutus exibiam a disposição repressiva das forças da ordem. É que aquele Dia do Trabalhador ocorria quando uma greve dos metalúrgicos da região alcançava já um mês de duração e levara o chefe do Serviço Nacional de Informações a prometer que “dobraria” a “república de São Bernardo”. O que poderia ter permanecido um dissídio salarial tornara-se um enfrentamento político que polarizava a sociedade[...] Alguns minutos depois das 9 horas, o bispo d. Cláudio Hummes iniciava a missa para 3 mil pessoas que lotavam a igreja da Matriz, num clima de tensão, sem saber o que se passaria em seguida, quando da programada passeata proibida (Sader, 1988:27-28).

Essa passeata, depois de momentos de tensão e de tentativas de negociação por parte de alguns parlamentares presentes, como o senador Teotônio Vilela, foi autorizada pelo governo federal. Logo que a notícia se espalhou, começou a se formar um imenso corredor de pessoas caminhando pelas ruas centrais de São Bernardo em direção ao Estádio da Vila Euclides, que foi reconquistado ao som da canção “Para não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré, cantada por cerca de 120 mil pessoas, entre mulheres, crianças, estudantes, intelectuais, artistas, parlamentares, lideranças populares e líderes religiosos.
“O que acontecera na manhã de 1º de maio de 1980 parecia condensar a história de todo o movimento social que naquele dia mostrava a cara ao sol” (Sader, 1988: 29).
Sem dúvida alguma, as manifestações de solidariedade no 1º de maio deram uma nova injeção de ânimo aos grevistas, mas os impasses da greve permaneciam os mesmos e as perspectivas de um desfecho vitorioso pareciam cada vez mais difíceis.

O ressurgimento do movimento sindical na cena política brasileira, a partir de 1978, significou não só a resistência à superexploração a que estava submetida a classe operária, mas principalmente o resgate de sua dignidade. “A luta dos trabalhadores deu-se basicamente como expressão de uma luta mais ampla por direitos de cidadania no interior da sociedade” (Rodrigues. 1997:19). A classe trabalhadora que se afirmou naquele cenário de lutas já não aceitava mais a noção de uma cidadania limitada. Por isso, o movimento sindical emergente procurava se articular nacionalmente, na perspectiva de construir novas referências a partir da experiência operária-sindical que ganhara ruas e praças em plena ditadura militar.



PARTE IV
As articulações sindicais e a fundação da CUT

Mesmo que não tenha conseguido silenciar por completo a resistência operária, a ação repressiva que sucedeu as greves de 1968 desarticulou o movimento sindical combativo por quase uma década. Chama a atenção, no entanto, como o movimento sindical se reorganizou de forma surpreendentemente rápida. Para Rodrigues  (1991:13-14), três fatores concorreram para isso:
1)    a permanência da estrutura sindical de forma intacta durante o regime militar, o que permitiu à nova geração de dirigentes, razoáveis recursos administrativos e financeiros quando estiveram à frente dos sindicatos;
2)    a ascensão de dirigentes desvinculados da herança janguista e do antigo PTB e pouco influenciados pelo PCB, ou seja, sem ligações com o esquema comunista-petebista anterior a 1964 e com organizações de esquerda que surgiram após o golpe militar de 1964, permitiu que a penetração desses dirigentes na estrutura oficial se desse de forma quase imperceptível pelos órgãos controladores do Ministério do Trabalho;
3)    a mudança na postura da Igreja Católica, na sua vertente “progressista”, com relação aos movimentos populares e também ao sindicalismo, o que resultou na aproximação de lideranças dos movimentos populares com o chamado “sindicalismo autêntico”.
              
 Entre as primeiras iniciativas intersindicais, articulações entre diferentes categorias, e a fundação da CUT, em agosto de 1983, se passaram pouco mais de cinco anos, um tempo relativamente curto se levarmos em conta o ambiente repressivo da época.
Já em novembro de 1977, um grupo de 205 sindicalistas de São Paulo foi à Brasília e, em audiência com o presidente Geisel, reivindicou o direito de os trabalhadores realizarem o seu Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat). A resposta do Ministério do Trabalho foi positiva, desde que o referido encontro não se convertesse em organismo intersindical permanente e fosse convocado pelas confederações sindicais. A organização do congresso, contudo, não foi encaminhada em função do boicote das confederações oficiais, mas sinalizou para uma postura mais independente e autônoma de um grupo de dirigentes sindicais.  (Véras Oliveira:2002 a: 111).
No ano seguinte, no mês de julho, realizou-se, no Rio de Janeiro, o V Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), em que o grupo de dirigentes sindicais denominados “autênticos” defendia uma postura mais atuante e combativa por parte das entidades sindicais, opondo-se à direção da CNTI, comandada por Ari Campista.
Ao final do congresso, os “autênticos” divulgaram uma Carta de Princípios que defendia a redemocratização do país, o fim das leis de exceção, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, e no plano sindical, pleiteava o direito de greve sem restrições, a livre negociação com os empregadores e o estabelecimento do contrato coletivo de trabalho[9].
Em outubro do mesmo ano, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo realizaram seu III Congresso, em cujas resoluções aparece claramente a necessidade de os trabalhadores brasileiros organizarem sua “central de trabalhadores” (Gianotti e Neto: 1990:29).
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Em Lins, cidade do interior de São Paulo, ocorreu, de 22 a 26 de janeiro de 1979, o IX Congresso dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico do Estado de São Paulo. O fato marcante desse evento foi o aparecimento, pela primeira vez num encontro intersindical, da proposta da criação de um Partido dos Trabalhadores. Essa proposta foi exposta de forma mais incisiva na comemoração do 1º de maio daquele ano, em São Bernardo.
As oposições sindicais que também começaram a se articular nacionalmente e realizaram, em 10 e 11 de maio de 1980, o Encontro Nacional das Oposições Sindicais (ENOS), que reuniu trabalhadores do campo e da cidade com o objetivo explícito de discutir a unificação das lutas, trocar experiências, estabelecer um plano comum de lutas e promover um debate nacional  sobre a organização sindical, além de contribuir para criação de uma central de trabalhadores. Compareceram ao encontro bancários, jornalistas, metalúrgicos, professores, trabalhadores da construção civil, e trabalhadores rurais ”(Gianotti e Neto: 1990:30-31).
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Em 1980, ocorreram dois encontros importantes do bloco combativo do movimento sindical, a ANAMPOS, Articulação Nacional do Movimento Sindical e Popular. Esses encontros reuniram, além de sindicalistas, líderes de pastorais operárias, de movimentos populares, de atividades comunitárias de base e das oposições sindicais[10]. O encontro realizado em João Monlevade, Estado de Minas Gerais, no Sindicato dos Metalúrgicos daquela cidade, estabeleceu alguns  princípios que seriam fundamentais para a fundação CUT, tais como:
-a substituição da CLT por um código de trabalho
-          a adoção do contrato coletivo de trabalho, liberdade e autonomia sindicais de acordo com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
-          fim da legislação restritiva ao direito de greve. 
Em julho foi realizado o Encontro de São Bernardo, que apontou um conjunto de reivindicações mais amplo e mais radical, incluindo a luta pela posse da terra pelos trabalhadores rurais e urbanos. Além da reivindicação de uma nova estrutura sindical, baseada nos princípios da Convenção 87 da OIT, os participantes manifestaram-se a favor da criação de uma central única dos trabalhadores e de organismos intersindicais reunindo trabalhadores urbanos e rurais. Pela primeira vez, apontou-se de forma clara a necessidade de um partido político capaz de contribuir para a libertação das classes populares (Rodrigues: 1991:20).
O ano de 1980, impulsionado pelas lutas sindicais, continuou bastante movimentado em relação às articulações sindicais. Nos dias 13 e 14 de setembro realizou-se o I Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES), cujo objetivo, era estreitar os laços e estabelecer uma aliança entre as oposições sindicais combativas e os sindicalistas autênticos. Porém, os sindicalistas presentes ao encontro se opuseram à proposta de criação de uma organização própria que excluísse parte dos sindicalistas da “Unidade Sindical” e defenderam a participação de todos na I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora.
O lançamento oficial do PT, que ocorreu em 10 de fevereiro de 1980, no tradicional Colégio Sion, em São Paulo, acentuou as divergências já existentes no interior do sindicalismo brasileiro. O caso mais evidente se deu com as correntes sindicais vinculadas aos partidos comunistas, que obviamente não viam com simpatia o fato de setores emergentes do sindicalismo apostarem seu futuro político numa nova agremiação sindical. Desse modo, segundo Leôncio Martins Rodrigues (1991: 27-28), é possível distinguir quatro grandes tendências às vésperas da realização da CONCLAT, a primeira grande conferência nacional da classe trabalhadora após 1964:

1.    Unidade Sindical que reunia sindicalistas sob a influência do PCB, do PC do B e do MR-8. Recomendavam prudência e moderação nas mobilizações operárias para não colocar em risco a abertura democrática, neste sentido, eram contrários à idéia de uma greve geral, e rejeitavam a convenção 87 da OIT como referência para adoção da liberdade e autonomia sindical.
2.    Bloco dos sindicalistas independentes ou autênticos: que tinha Lula como principal liderança referência era o combate à legislação sindical, luta contra a política salarial, pelo direito de greve, pela liberdade e autonomia sindical e pela negociação direta entre sindicato e empresa.
3.    As oposições sindicais, que formavam um grupo relativamente heterogêneo de ativistas sindicais (conforme já falamos) e tinham com principais bandeiras a organização no local de trabalho por meio de comissões de fábrica, a oposição à estrutura sindical e a defesa da liberdade e autonomia sindicais, de um modo geral rejeitavam a aliança com os pelegos e com os “reformistas” da Unidade Sindical e procuravam formar um bloco com os “autênticos”.  Grande parte das oposições tinha origem na militância da Igreja Católica, mas havia membros da esquerda como ativistas do PC do B na oposição metalúrgica de São Paulo, que não vão aderir à CUT nos seus primeiros anos.
4.    E, finalmente, o quarto bloco, formado por ativistas de extrema esquerda, vinculados a pequenos agrupamentos de esquerda que viam na ação sindical uma perspectiva revolucionária que, de alguma forma, levaria à exacerbação dos conflitos de classe, rumo ao socialismo; na sua maioria, viam como opção tática a aproximação com os sindicalistas  combativos.

O III Encontro, em junho de 1981, aconteceu em Vitória, Espírito Santo, e reuniu 130 delegados de 18 estados. Assim como nos encontros anteriores, foram aprovadas propostas que iam, passo a passo definindo e estruturando a concepção do sindicalismo combativo, sempre numa estratégia paralela com os movimentos populares. Dentre elas:
-a reforma agrária sob controle dos trabalhadores;
-a decretação de uma greve geral que envolvesse não apenas os sindicatos, mas também as associações e movimentos do campo e da cidade;
-o fim da estrutura sindical e a formação de uma central única dos trabalhadores (Rodrigues.1991:21).

Nesse encontro, ficou mais demarcada a linha divisória entre as diversas correntes do movimento sindical, ao se mostrarem infrutíferas as tentativas de atrair para a ANAMPOS os sindicalistas “reformistas”, como Arnaldo Gonçalves, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos e dirigente do Partido Comunista Brasileiro, numa evidente estratégia cujo intuito era afastá-los da aliança com os pelegos, o que se mostrou inviável em pouco tempo. Por outro lado, “os sindicalistas autênticos se aproximavam cada vez mais das oposições sindicais, afastando-se de companheiros de viagem que tinham práticas cada vez mais discordantes”. (Gianotti e Neto: 1990:35).

Apesar dos sinais visíveis de desgaste entre as diversas correntes do sindicalismo brasileiro, foi realizada, entre 21 e 23 de agosto de 1981, na Praia Grande, litoral de São Paulo, a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), reunindo 5.427 trabalhadores do campo e da cidade, representando todas as frações do movimento sindical brasileiro. Desde o golpe de 64, era a primeira vez que isso acontecia, fato que causou grande impacto no cenário político nacional. Além disso, em 1981, os trabalhadores passaram a experimentar os efeitos da crise econômica que o país começava a viver de forma mais aguda, graças principalmente ao agravamento do endividamento externo, cujo primeiro impacto se manifestou nas demissões em massa e no conseqüente desemprego[11], provocados pelo ajuste recessivo na política econômica, levado a cabo pelo governo do general Figueiredo (Mattoso. 1995:139).

Esse cenário, visivelmente desfavorável às grandes mobilizações de massa, como as de 1979 e 1980, colocava, a necessidade cada vez mais urgente de uma organização intersindical dos trabalhadores no plano nacional.
 
A realização dessa Conferência atestou a grande capacidade de rearticulação do movimento sindical, porém, expos a profunda divisão do sindicalismo brasileiro, em dois grandes blocos, e as divergências em torno da criação de uma central única, embora ambos os lados fizessem questão de reafirmar seu compromisso com a unidade no campo sindical.

Porém, de um lado, os “autênticos” e as oposições sindicais, defendiam a realização de uma greve geral como resposta à crise econômica e ao desemprego, além das mencionadas propostas de desmontagem da estrutura sindical por meio da implantação da liberdade e autonomia sindicais. De outro, o bloco da reforma ou da unidade sindical, que via na greve geral uma provocação aos militares e ameaça ao processo de abertura. Para esse bloco, a alternativa para os trabalhadores passava por um “Pacto Social” construído com as elites, como processo de transição para a democratização do país.

Tais divergências, apesar de não permitirem o avanço no que se referia a aspectos mais específicos da organização sindical, não impediram que fosse votada e aprovada uma ampla plataforma de luta e mobilização, juntamente com reivindicações que traduziam aspectos de consenso geral, como a defesa da democracia, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, a liberdade de expressão, o desmantelamento dos organismos de repressão, o direito de greve, a estabilidade no emprego, e a reforma agrária, entre outros.
Ao final da conferência, foi eleita a Comissão Nacional Pró-CUT, formada por 56 sindicalistas urbanos e rurais de todas as tendências, com objetivo de preservar a unificação do movimento sindical e preparar a criação da Central Única dos Trabalhadores, prevista para agosto de 1982.

As divergências preponderaram sobre os consensos na Comissão Pró-CUT, o que acabou inviabilizando a realização do congresso de fundação da central na data prevista, no ano de 1982. Argumentavam os membros da Unidade Sindical que não havia condições para a preparação, naquele ano, de um grande encontro nacional. Além disso, argumentavam que 1982, um ano de importantes eleições, não seria propício para a realização do CONCLAT (Rodrigues, 1991:33).

No entanto, o ponto central da discórdia entre os dois grupos dizia respeito aos critérios de representação e eleição dos delegados ao congresso. Os “autênticos” e seus aliados eram favoráveis a uma central sindical com caráter mais amplo, que incorporasse as “oposições sindicais”, o que era garantido pelo artigo 8º do regimento interno do futuro congresso, e que, ao mesmo tempo, reduzisse o papel das federações e confederações. O presidente da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura, José Francisco da Silva, alinhado com o bloco da Unidade Sindical, assim se expressou:

“Para Construir uma Central Única dos Trabalhadores, coisa que não abrimos mão, ela tem que se basear nas entidades. A entidade sindical é a ferramenta dos trabalhadores. Esse artigo oitavo está sendo utilizado para deturpar o bom andamento do movimento sindical. Vocês fiquem com a CONCLAT de vocês”[12]

Foram inúmeras reuniões ao longo de 1982 e 1983 com o objetivo de negociar as diferenças e estabelecer um compromisso no sentido de manter o movimento sindical unido até a realização do congresso, inclusive com encontros estaduais (Enclats) para a escolha de delegados[13]. Porém, quando José Francisco deu esta declaração ao jornal Voz da Unidade, já estava esgotada a última tentativa de conciliação entre as duas correntes que polarizavam o sindicalismo brasileiro, ocorrida em reunião no dia 7 de agosto, quinze dias antes do I Congresso da Classe Trabalhadora (CONCLAT).

“Depois de uma longa viagem de mais de três mil quilômetros, no dia 23 de agosto, a delegação integrada por 45 trabalhadores rurais de Santarém (Pará) seria a primeira a chegar a São Bernardo do Campo para participar do I CONCLAT, que teria início três dias depois”.[14]


PARTE V
A fundação da CUT

E assim foram se unindo aos trabalhadores do Pará, no dia seguinte àqueles 23 de agosto, outras delegações que chegavam de todo o país, superando a expectativa dos organizadores, que esperavam algo em torno de quatro mil participantes. As atividades culturais começaram no dia 25, quinta-feira, com a encenação, pelo Grupo de Teatro Forja, formado na sua maioria por trabalhadores metalúrgicos, da peça “Operário em construção”. No dia seguinte, como previsto, ocorreu a abertura oficial do histórico I Congresso da Classe Trabalhadora (CONCLAT), nas também históricas dependências dos estúdios da Cia de Cinema Vera Cruz. Mesmo sem a participação dos sindicalistas da Unidade Sindical, o congresso que fundou a CUT teve a participação de 5.059 delegados de 912 entidades, representando 12.192.849 trabalhadores[15].  
Num contexto de crise econômica, com arrocho salarial e desemprego elevado, além de vários sindicatos sob intervenção, o Plano de Lutas do congresso se orientou para dar uma resposta política mais radical àquela conjuntura, por exemplo:
-          o fim da política econômica do governo
-          o rompimento com o FMI
-          a liberdade e a autonomia sindical
-          a liberdade de organização política
-          a reforma agrária radical sob controle dos trabalhadores
-          a suspensão do pagamento da dívida externa
-          o direito irrestrito de greve
-          as eleições diretas para presidente, prefeitos das capitais e das áreas de segurança nacional
-          o fim das intervenções sindicais e a reintegração das diretorias cassadas
-          o reconhecimento da CUT  como órgão máximo de representação dos trabalhadores

Após a aprovação do plano de lutas seguiu-se o momento mais esperado da pauta do congresso: a criação da CUT. Após a discussão e aprovação do texto preliminar nos grupos, foi elaborada uma redação final com pequenos ajustes em relação ao texto original:

“A plenária de delegados dos trabalhadores (eleitos para o I CONCLAT) aprovou em 26 de agosto de 1983, a criação da Central Única dos Trabalhadores, que passará a constituir-se como direção capaz de encaminhar, de forma organizada, a nível nacional, as lutas comuns dos trabalhadores.
Esse organismo deve ser representativo, democrático e independente do Estado, dos patrões e dos partidos políticos, com seus estatutos aprovados neste congresso.
Sua primeira diretoria será eleita neste CONCLAT, com mandato de um ano, tendo a incumbência básica de, no plano político, encaminhar o plano de lutas aprovado e, no âmbito organizativo, estruturar e implantar a CUT em todos os níveis ”(Op.cit., p.164).

A Central reafirma seu princípio fundamental que orientou o novo sindicalismo desde as suas primeiras manifestações:

“A CUT luta pela mudança da estrutura sindical brasileira, corporativista, com o objetivo de conquistar a liberdade e a autonomia sindicais. A CUT luta pela transformação dos atuais sindicatos em entidades classistas e combativas, organizados a partir de seus locais de trabalho. A CUT luta para construir novas estruturas e mecanismos capazes de possibilitar e garantir conquistas que sejam do interesse da classe trabalhadora. O sindicato pelo qual a CUT luta será organizado por ramo de atividade produtiva, será democrático e de massas”(Op.cit. p.178)



Com a fundação da CUT, o movimento sindical escrevia um dos capítulos mais importantes de sua história. Um capítulo com páginas generosas de lutas e conquistas, porém, não isentas de contradições e ambigüidades, dentre elas, a principal: a tentativa de romper com a estrutura sindical oficial a partir de suas próprias bases, ou como se diz no jargão sindical, “a partir de dentro da própria estrutura”.


A iniciativa ousada dos chamados “combativos” mostrou-se acertada e representou uma importante vitória para essa corrente que se lançou na dianteira, a fim de ocupar o espaço político de representação nacional dos trabalhadores, criando sua própria central sindical, conforme se pode atestar mediante seu extraordinário crescimento ao longo dos anos 80, quando consolida sua hegemonia no movimento sindical, comandando as principais mobilizações sindicais e tornando-se a principal referência dos trabalhadores na defesa de seus interesses[16].






Entre o apogeu e a crise: os impasses do projeto sindical da CUT

Mesmo com o desfecho conservador da transição democrática, com a derrota do movimento pelas “diretas já”, o clima era de combate às ações grevistas lideradas pela CUT (sempre invocado em nome do “pacto social”), o que não deixou de ser maior liberdade de ação ao movimento sindical[17].
No final da mesma década, era inquestionável a hegemonia da CUT como principal expressão do sindicalismo brasileiro e, conseqüentemente, sua importância no cenário político brasileiro[18]. As conquistas e os avanços do sindicalismo CUT eram inegáveis. As greves constituíram segundo Noronha. (1994) apud Oliveira (2002:226) “o indicador do grau de expansão dos sindicatos e de sua capacidade de mobilização. Aos poucos, tornaram-se o instrumento de transformação das relações de trabalho. E, por fim, elevaram os sindicatos ao status de interlocutores do governo”.
Nesse mesmo período, entretanto, os dirigentes cutistas começavam a reconhecer limitações na prática sindical da Central, diante dos novos desafios postos para o sindicalismo brasileiro. A frágil organização nos locais de trabalho foi apontada como a principal debilidade dos sindicatos cutistas. A ação pautada no carro de som e no boletim sindical distribuído na “base” mostrou-se insuficiente para enfrentar o ritmo das mudanças no mundo do trabalho que ocorreriam na década seguinte.  
Os anos 90 foram marcados pela perda de dinamismo do movimento sindical provocado pelo impacto do projeto de inserção do país na economia globalizada, através da política de abertura da economia brasileira, iniciada pelo Presidente Fernando Collor de Mello e levada adiante pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, que desencadeou uma série de mudanças no comportamento das indústrias brasileiras e da economia em geral, com repercussões diretas na vida dos trabalhadores[19].
Além do aumento exponencial do desemprego, esse processo de “modernização” do país incorreu num acelerado ritmo de informalização e precarização do mercado de trabalho interrompendo uma trajetória histórica de formalização, ainda que em bases de baixa qualificação e remuneração da mão-de-obra (Dedecca: 2005).
Essa precarização do trabalho seguia a tendência de flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho que também caminhavam na contracorrente do período anterior marcado pela conquistas de uma série de direitos sociais e trabalhistas que foram incorporados pela Constituinte de 1988, fruto das mobilizações sociais daquela conjuntura.
Efetivamente após o Plano Real (1994), as diversas medidas, apesar de seu caráter pontual, contribuíram para alterar a forma de contratação e a determinação do uso do tempo e da remuneração do trabalho no Brasil (Krein: 2003: 280-283). Para completar esse panorama pouco animador para o sindicalismo, o governo FHC decidiu por uma postura inflexível e intransigente em relação às greves, o que pode ser atestado na reação enérgica do governo contra a greve nacional dos petroleiros em maio de 1995, que paralisou dez refinarias em vários pontos do país. 
Nesse quadro de modernização predatória e excludente, os impactos sobre a ação sindical foram impressionantes. A insegurança do trabalhador gerada pelo desemprego, as novas formas de gestão do trabalho e as novas tecnologias levaram a uma brutal redução dos contingentes de trabalhadores em setores tradicionais como bancários, metalúrgicos, têxteis, gráficos, entre outros.
O padrão de comportamento das chefias também começou  a mudar. Nas grandes empresas, em especial, foram adotadas estratégias de cooptação do trabalhador como cursos comportamentais, prêmios por desempenho e dedicação ao trabalho.
A tarefa sindical dos anos 90 tornou-se mais complexa e o processo de “modernização das empresas” ocorreu, na quase totalidade dos casos, de maneira unilateral sem nenhum envolvimento dos sindicatos no processo de negociação da reestruturação produtiva. Com esse volume de mutações no cenário macroeconômico e na nova institucionalidade das relações de trabalho, o sindicalismo brasileiro e, em especial a CUT, conhecera o primeiro momento de crise estrutural, a exemplo do que acontecera cerca de uma década antes no sindicalismo dos países centrais (como Estados Unidos e países Europeus).
Temperada com as peculiaridades do contexto nacional, a crise da CUT manifestou-se na limitação drástica do espaço de intervenção sindical, dado pela ausência de mecanismos claros de proteção salarial. Ficou reduzido pelo profundo impacto que o desemprego e a crise exerceram – e ainda exercem - sobre a estrutura produtiva e sobre os próprios postos de trabalho.
Assim a intervenção sindical foi aprisionada pelo estreitamento da agenda sindical que passou a girar em torno de temas como Participação nos Lucros e Resultados (PLR), jornada de trabalho e defesa de benefícios sociais conquistados ao longo dos anos 80 (Oliveira. 2004).

As entidades sindicais buscaram novos caminhos e novas respostas diante dos constrangimentos à mobilização e organização sindical. Começava a se difundir, em meados dos anos 90, uma noção mais ampliada de sindicato: o “sindicato cidadão”-, voltado para a luta contra o desemprego, a exclusão social e a cidadania. O alvo do movimento sindical deixou de ser apenas o trabalhador empregado, mas também o trabalhador desempregado. Questões como qualificação profissional, educação de jovens e adultos, geração de emprego e renda, intermediação de mão de obras, cooperativismo, empresas autogestionárias, e uma série de outros temas, começaram a fazer parte do vocabulário e das ações sindicais. Sem abrir mão das tarefas clássicas de um sindicalismo combativo, um novo ciclo se abria para o sindicalismo cutista que procurava responder através da sua intervenção no campo das políticas públicas a crescente exclusão social com todas as suas mazelas que minavam a força mobilizadora dos sindicatos.

A partir da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, a CUT irá experimentar um cenário político com o qual havia sonhado por muito tempo. O candidato vitorioso e o seu partido (PT), cuja identidade com a CUT sempre esteve associada a sua figura, conquistou a vitória através de um amplo arco de alianças que incluíam de partidos de esquerda de extração marxista a tradicionais políticos conservadores. Para enfrentar a grave crise econômica herdada do governo anterior e para tranqüilizar a elite econômica, o governo de Lula teve que assumir compromissos na área econômica que desapontaram não só a CUT, mas os outros movimentos sociais que almejavam por mudanças mais rápidas.

Mesmo a Reforma Sindical, tida como objetivo estratégico para a CUT durante o governo Lula, que criou o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), espaço tripartite reunindo representantes do governo, dos empresários e dos trabalhadores. A participação da CUT no FNT sempre foi marcada pela defesa por “mudanças radicais e urgentes no modelo de organização sindical”[20].

Apesar das ambigüidades inerentes a qualquer organização popular, democrática e de massa como a CUT, não resta dúvida que a trajetória da nossa Central se constituiu e, ainda se apresenta, como uma das experiências mais significativas do sindicalismo de esquerda no Brasil. A CUT desempenha um papel fundamental na defesa dos interesses dos trabalhadores, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social e político.

banner_plataforma2010.pngA CUT é a maior Central Sindical do Brasil e da América latina e se constitui numa das principais entidades da sociedade civil no Brasil que lutam pela promoção da cidadania, pelo desenvolvimento sustentável e solidário, pela inclusão social e pelo aperfeiçoamento da democracia em nosso país. Pela sua história e pelo seu presente a CUT é o maior patrimônio da classe trabalhadora brasileira. Por isso, temos o dever não só de preservar esse patrimônio, mas também de enriquecê-lo cada vez mais, através da nossa conduta e da nossa luta no presente e no futuro.


A CUT tem compromisso com um novo projeto de sociedade e de Desenvolvimento, o desafio no final da primeira década do século XXI é pautar na sociedade brasileira uma agenda que vá além dos debates sobre indicadores macroeconômicos. Uma agenda que tem como objetivo a busca da permanente ampliação de direitos, como o Estado assumindo o papel de indutor desse novo modelo de desenvolvimento, com regulação pública do trabalho e com democracia participativa.

Conforme se afirma na plataforma da classe trabalhadora, um documento base destinado à atuação da CUT nas eleições 2010, “Para a CUT, desenvolvimento compreende o processo histórico de evolução técnica e tecnológica, bem como de produção e reprodução das condições de vida no planeta. Portanto, entendemos como essencial e imperioso um profundo debate sobre as bases para um novo paradigma de desenvolvimento que, como expressa a Resolução do 10º CONCUT, seja ambientalmente sustentável, socialmente equitativo e geopoliticamente equilibrado”. [21]




[1]              Depoimento de Gilson Luís de Menezes, então diretor de base do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, sobre a greve na Fábrica Saab Scania do Brasil S/A, ocorrida em 12 de maio de 1978, onde era diretor de base apud Bargas e Rainho (1983:68).   
[2]              “A Greve do Gato Selvagem” – Raymundo Périllat. In Revés do Avesso 04 e 05, ano 15 abril/maio 2006. p. 23, 24, 25.
[3]              Dentre os 21 itens da pauta de negociação dos metalúrgicos, os dois principais eram o reajuste de 34,1% e a estabilidade para os delegados sindicais, na proporção de um delegado para cada grupo de 500 empregados, assegurando-se o número mínimo de um empregado para as empresas com menos de 500 trabalhadores e a estabilidade garantida, ainda que o empregado não tivesse ultrapassado o período de experiência. (Bargas e Rainho, 1983:214).
[4]              Acusação respondida por Lula em assembléia com mais de 70 mil pessoas; “O nosso movimento é um movimento de 110 mil trabalhadores sem nenhuma interferência de qualquer grupo estranho à categoria... a greve dos trabalhadores ainda é uma greve que está reivindicando melhores salários, melhores condições de vida”. In Folha de São Paulo 1803/79 Apud. Antunes (1988:46)
[5]              A trégua proposta era de 45 dias, período em que se tentaria obter um reajuste mais satisfatório do que aquele alcançado pelos metalúrgicos do interior; caso contrário, os metalúrgicos do ABC deflagrariam novamente a greve geral. Lula argumentava: “A coisa se inverteu de tal forma que existem três coisas fundamentais... a primeira delas é a garantia da volta à normalidade do nosso sindicato... existe outra coisa, que é a reabertura das negociações, porque temos 11% em jogo e não vamos abrir mão deles; e há outra coisa a ser feita, que é o pagamento dos dias em que estamos em greve”. (Antunes. 1988:50). 
[6]              “As relações dos sindicalistas  “autênticos” com as  “oposições sindicais” sempre foram marcadas por identidades importantes, mas também por significativas diferenças. Por atuar no mesmo setor, pela proximidade e por sua importância estratégica, a relação foi mais intensa com a OSM-SP. Com esta, uma questão em particular, foi objeto de ressalvas e de certas divergências: seus respectivos entendimentos quanto ao papel das comissões de fábricas (cujas inspirações principais eram as experiências da Cobrasma, em Osasco, até as greves de 1968 e das Comissões Obreiras da Espanha) e dos grupos inter-fábricas e suas relações com os sindicatos. O espaço sindical estava tendo significados muito diferentes na experiência do ABC, em comparação com a de São Paulo. Sem o apoio do sindicato, as lutas operárias em São Paulo emergiram constituindo, autonomamente, diversas experiências de comissões de fábrica e grupos inter-fábricas. Tal processo contou com um papel decisivo da OSM, que, por sua vez, tornou-se a principal referência dessas lutas e uma referência importante no debate sindical que ocorria, com um novo impulso, em todo o país. (Véras de Oliveira.2002:p58).
[7]              Entre janeiro e março de 1980 foram realizadas 215 reuniões (por fábrica) no sindicato e 65 assembléias nas entradas e saídas dos turnos, nas portas de fábrica. Foram impressos 450 mil boletins; 600 mil suplementos da Tribuna Metalúrgica; 62 mil adesivos; 19 mil cartazes e 20 faixas convocando para assembléia decisiva de 30 de março de 1980. (Antunes, 1988: 66)
[8]              Iniciadas tardiamente, as negociações acirraram-se nos pontos nodais: a FIESP ofereceu 3,65% e depois chegou a oferecer 5% de reajuste acima do INPC, em resposta à reivindicação de 15% dos trabalhadores. Quanto ao piso salarial, os patrões ofereceram Cr$ 5.904,00 frente a uma reivindicação de Cr$ de 12.000,00. A estabilidade de 12 meses, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, o reconhecimento do delegado sindical e o controle da chefia, foram recusados pela entidade patronal. (Antunes, 1988: 67-69).   
[9]              Sobre as articulações sindicais que antecederam a criação da CUT, ver: Gianotti e Neto (1990); Rodrigues (1997); Rodrigues (1991); Oliveira (2002 a).
[10]             Segundo Rodrigues (1991:17), essa junção de sindicalistas com militantes dos movimentos sociais se explica diretamente pela atuação de intelectuais militantes ligados à Igreja. “Entre estes, cumpre citar Frei Beto, que teve papel relevante na aproximação dos “autênticos” com os movimentos sociais e no encaminhamento dos militantes católicos para o PT” Sobre a atuação da Igreja no movimento popular, ver: Mainwaring (1989) e Martins (1994).
[11]             Somente nas bases dos metalúrgicos de São Bernardo foram mais de 13 mil demissões na Volks; 6 mil na Mercedes; 2 mil na Ford e mais de 20 mil no restante das empresas. Véras de Oliveira (2002:138). As taxas de desemprego aberto flutuaram de em torno de 8%, em 1981, até 9,2%, em janeiro de 1982 Noronha ( (1991:106).
[12]             Voz da Unidade, 11/8/83, apud. Gianotti e Neto (1990:45). Segundo os autores, o cerne desta polêmica estava na discussão sobre a liberdade e a autonomia sindicais, incluindo a aprovação ou não da Convenção 87 da OIT e suas conseqüências: eliminação do imposto sindical, fim da unicidade sindical, e fim de qualquer ingerência do governo nos sindicatos.  
[13]             Em setembro de 1982, o quadro era o seguinte: 1) CONCLAT adiado; 2)mudanças no critério e na composição da Comissão Nacional Pró-CUT; 3) duas convocações para duas reuniões diferentes: uma para 27 e 28 de novembro e outra para 4 e 5 de dezembro. Nos meses de setembro outubro e novembro realizaram-se os ENCLATs. Na mencionada reunião de novembro foi deliberado que: o CONCLAT seria realizado nos dias 26, 27 e 28 de agosto de 1983, em São Paulo também se aprovou o regimento interno, o temário, o plano de lutas e a eleição da “Nova Comissão Nacional Pró-CUT” com 69 membros, mais a confederações e entidades nacionais. Até maio/junho, tudo fazia crer que o CONCLAT seria realizado sem maiores questionamentos.  I Congresso da Classe Trabalhadora. 1984. Publicação da CUT/Tempo e Presença Editora. p. 49-50.  
[14]             Op.cit. p.78. Nas páginas seguintes há uma detalhada descrição do processo organizativo do congresso.
[15]             O total de entidades estava distribuído da seguinte forma:  355 sindicatos urbanos; 310 sindicatos rurais; 99 associações de funcionários públicos; 134 associações pré-sindicais; 5 federações; 8 entidades nacionais e 1 confederação. A participação foi maior que na I Conferência de 1981 (5036 delegados). A participação do campo quase duplicou em número de delegados, apesar da ausência da CONTAG e das 23 federações do campo (1658, contra 916 em 1981). Os trabalhadores do setor público se juntaram aos trabalhadores do setor privado com uma participação três vezes maior: 483, contra 145 em 1981. A grande ausência foi das confederações e das federações: 68, contra 206 em 1981. Op.cit., p. 33 e 74.   
[16]             O bloco contrário, que não participou da fundação da CUT, convocou o “seu” Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, também com o nome de CONCLAT, para novembro do mesmo ano. O congresso elegeu uma Coordenação Nacional mantendo a mesma sigla. Cerca de três anos depois, em março de 1986, a CONCLAT realizou outro congresso que resultou na formação da Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Ver Rodrigues (1991:35). 
[17]             Para o sindicalismo rural as ressalvas devem ser maiores: em 1986, até maio, segundo a Pastoral da Terra, mais de 110 trabalhadores rurais haviam sido assassinados em conflitos agrários. Véras de Oliveira (2002:153).
[18]             “Entre todos os três tipos de empresas estudados (pública, de capital privado nacional e multinacional), a influência da CUT ultrapassava em muito a da CGT, uma vez que a grande maioria dos sindicatos de categoria era favorável à CUT. Assim, podemos concluir que a CUT tem conseguido, ao longo dos anos, atrair o apoio não só de um número maior de sindicatos, mas também especialmente os que representam trabalhadores das maiores companhias presentes na economia”. Sandoval (1994:162-63).
[19]             As disputas no interior do movimento sindical ganharam um novo ingrediente nos anos 90 com a fundação, em março de 1991, de uma nova central sindical-, a Força Sindical, que tornou-se porta voz de um projeto, que desde o início, incorporava o ideário liberal e revelava o desejo de suas lideranças de fazer dela uma alternativa à CUT, que representaria o “sindicalismo estéril” e um “partidarismo inconseqüente”, e às CGTS, tidas como expressão de “conformismo” e de uma “proposta conservadora”.Cardoso e Rodrigues(1993:17-21) apud Oliveira (2004:273). 
[20] Porém a direção aponta que a sinais de acomodamento à estrutura oficial: “Nesse sentido, é preciso que a CUT enfrente, de forma crítica, o acomodamento de suas estruturas e entidades aos marcos da estrutura sindical corporativa, propondo estratégias e ações concretas para que suas entidades rompam firmemente com as amarras do atual modelo”. Caderno de Teses do 9º Congresso Nacional da CUT, 2006. p.32. 
[21] Jornada pelo Desenvolvimento: Plataforma da CUT para as Eleições 2010, março de 2010.


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