A
partir da entrada no Brasil na Segunda Guerra Mundial em 1942, começa a mudar
também o cenário interno da política brasileira com o crescente aumento da
oposição da Ditadura Vargas. Afinal, se o Brasil lutava ao lado dos defensores
da Democracia, não tinha sentido, nem coerência, o país viver sob regime
ditatorial. A luta pela
redemocratização do país mobiliza amplos setores da sociedade, trabalhadores,
intelectuais, estudantes.
Em
abril de 1945, Getúlio Vargas cede às pressões decreta anistia aos presos
políticos e anuncia as eleições
parlamentares para 02 de dezembro de 1945 para elaboração de uma nova
Constituição. Luis Carlos Prestes, Secretário Geral do Partido Comunista
Brasileiro, é libertado em maio depois de quase nove anos de prisão. Também em
maio, ocorre mudanças no sistema partidário e são criados novos partidos, O
Partido Social Democrático(PSD), a União Democrática Nacional (UDN), o Partido
Trabalhista Brasileiro ( PTB), o Partido Democrata Cristão (PDC) entre, outros.
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) é legalizado e rapidamente se torna um
partido de massa, beneficiado pela onda de crescimento da esquerda em nível
mundial, muito em função do papel decisivo desempenhado pela União Soviética na
derrota ao nazi-fascismo e também pela atuação permanente e incansável dos
militantes comunistas que souberam capitalizar a luta pela Redemocratização com
pela legalização do PCB. Pela primeira vez no Brasil desde o advento da
República os partidos adquirem uma conformação e uma abrangência nacional.
Getúlio é deposto por uma junta militar em 19 de outubro e as eleições parlamentares
e presidenciais são anunciadas para dezembro de 1945.
Eurico
Gaspar Dutra, ex-Ministro da Guerra de Getúlio, da coligação PSD-PTB é eleito
presidente da República com o apoio do ex-ditador. Mais uma vez, seguindo a
velha tradição de conciliação do país, as transições política se dão sem
maiores sobressaltos para elite política. Os antigos políticos na sua maioria
apoiadores e beneficiários da Ditadura Estado-Novista se disfarçam de
democratas e continuam à frente das estruturas de poder.
Mas
classe trabalhadora urbana torna-se, no pós-guerra, um ator decisivo no cenário
político nacional, fruto da aceleração industrial e urbana do país. Depois de
anos de repressão política e arrocho salarial determinado pelo “esforço de
guerra” os trabalhadores assumem um protagonismo social e político que só será
interrompido pela força da repressão com a ditadura militar.
As
greves de massa que começam a fazer parte da paisagem das lutas sociais do país
no pós-guerra, se tornaram cada vez mais freqüentes ao longo dos anos 50 e 60.
O Presidente Dutra ao tomar posse em fevereiro de 1946 já no seu primeiro dia
de mandato teve que lidar com a greve nacional dos bancários que recebeu a
adesão de trabalhadores de várias categorias. Essa greve correspondeu, em termos
políticos, à greve dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema em 1980, pois
teve um efeito aglutinador sobre a classe trabalhadora, cujas demandas estavam represadas ao longo de toda a
ditadura Vargas.
Os
pelegos que estavam alojados nos sindicatos como interventores sob o manto
protetor da ditadura varguista vão perdendo cada vez mais espaço para os
militantes de esquerda, especialmente, os comunistas. O PCB rapidamente assume
a hegemonia política sobre o movimento operário. Apesar de uma postura vacilante
em relação às greves e às manifestações de protestos de cunho mais radical, os
comunistas, pressionados por suas bases, vão assumindo a direção das greves e
das organizações operárias. A resposta do governo Dutra às mobilizações
operárias e ao crescimento do PCB não tardou a chegar. Em maio de 1947, o
governo, com forte apoio do empresariado, e dos partidos conservadores, decreta
intervenção em mais de 100 sindicatos e coloca o Partido Comunista Brasileiro
na ilegalidade. Mais uma vez a elite brasileira demonstra a sua intolerância em
lidar com capacidade de mobilização e organização das classes populares na
democracia.
Depois
de exauridas todas as possibilidades de reverter a decisão das autoridades o
PCB parte para um linha de confrontação com o governos Dutra, desta feita,
chamado de Governo de Traição Nacional pelos comunistas. No plano sindical a
direção do PCB irá orientar suas bases para criação dos sindicatos paralelos
como forma de combater a estrutura oficial e derrotar os pelegos. Foi o chamado
período do “sindicalismo Vermelho” e das “greves de gancho” ou “greves de
apito”.
Com o
segundo governo de Vargas em 1950, os sindicatos voltam a ter maior
participação dos militantes de esquerda e de setores do trabalhismo ligados aos
líderes mais progressistas do PTB, como Jango Goulart e Leonel Brizola. As
greves de massa se reiniciam por todo o Brasil nos anos 50, uma das mais
conhecidas foi a “Greve dos 300 mil”, ocorrida entres os meses de março e abril
de 1953. Essa greve foi comandada pelos sindicatos dos Têxteis, Metalúrgicos,
Marceneiros, gráficos e Vidreiros de São Paulo, rapidamente se alastrou pelo
ABC e pelos Municípios vizinhos da Capital. AS principais reivindicações dos
grevistas eram: aumento salarial de 60%, estabilidade no emprego e exigência de
medidas do governo pra controle dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Já nos seus
primeiros dias a greve recebeu a adesão de inúmeras categorias, além disso,
a paralisação contou com a simpatia de
parte da população paulistana, incluindo muitos comerciantes que colocavam
cartazes de apoio à greve nos seus respectivos estabelecimentos. Outro aspecto
pouco comum dessa greve, foi a solidariedade
e apoio de vereadores e deputados que denunciaram a violência policial e
forneceram ajuda material e política ao movimento. A greve foi marcada por
forte presença das mulheres no cotidiano da luta. Elas estavam presentes nas
comissões de fábrica, nas manifestações, nas assembléias, inclusive nos grandes
piquetes que reuniam centenas de trabalhadores.
O
saldo da greve foi extremamente positivo do ponto de vista político e
organizativo. Essa greve marcou um ponto de virada na retomada das lutas
operárias e sindicais que a partir desse marco inaugura um processo de ascensão
das lutas que prosseguirá até 1964. Do ponto de vista organizativo, foram as
comissões de fábrica que deram a tônica ao movimento e partir de então estarão
presentes nas categorias mais atuantes do sindicalismo do período. Foi criado
também o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), entidade que será responsável
por várias mobilizações nos períodos seguintes.
Entre
os dias 15 e 25 de outubro de 1957 ocorre outra greve de grandes proporções que
ocupa as manchetes dos jornais. A “greve dos 400 mil” como passou a ser chamada
mostrou com contornos mais definidos os sinais de um novo tempo. Um tempo
em que o sindicalismo passa a desempenhar um papel cada vez mais atuante na conjuntura
política nacional evidenciando a expansão de sua capacidade de pressão sobre o
patronato e sobre a classe política.
Os
primeiros anos da década de 1960 foram marcados por uma efervescência
extraordinária do movimento sindical que conquistou a cena política de forma
definitiva. Esse dinamismo se mostrou vigoroso sob diversos aspectos. Primeiro
pela difusão de organizações
intersindicais de caráter horizontal, proibidas oficialmente tais como:
Comissão Permanente das organizações Sindicais(CPOS), que articulava sindicatos
do antigo Distrito Federal; o Pacto de Unidade e Ação (PUA), que reunia
trabalhadores do setor de transporte como ferroviários e portuários; o Fórum
Sindical de Debates(FSD), que reunia os sindicatos da Cidade de Santos; o Pacto
de Ação Conjunta (PAC) e finalmente o Comando Geral dos Trabalhadores(CGT), que
se tornou a maior expressão das intersindicais do período e centro dinamizador
das mobilizações sindicais desde a sua criação.
Também
no campo, os anos a 60 foram de intensas mobilizações e conflitos com os
latifundiários. Na década anterior começa a ocorrer uma intensa modificação na
estrutura econômica e social do campo com a mecanização da agricultura através
da difusão do uso do trator e a expansão das rodovias, que num contexto de
industrialização e urbanização acelerada que gerou demandas para abastecimento
das grandes cidades valorizando os produtos agrícolas. Esse processo acarretou
a expulsão de milhões de camponeses pequenos proprietários, arrendatários,
meeiros, foreiros, etc. Em Pernambuco, por exemplo, o rompimento dessas
relações, com a negação da concessão de terras para o plantio (sítio), ou por
um aumento considerado abusivo do foro, gerou o primeiro conflito que chegou a
conhecimento público no engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão. A
resistência desses trabalhadores, que pouco tempo depois teve como importante
aliado o advogado Francisco Julião, recém-eleito deputado estadual em
Pernambuco, deu origem às ligas camponesas, que foram uma das mais importantes
organizações de camponeses que lutavam pela reforma agrária nos anos 50 e 60.
As
lutas por salários e direitos também mobilizou os assalariados do campo nos
anos 50 e 60. As principais reivindicações dos trabalhadores eram: carteira
profissional, jornada de oito horas, pagamento de horas extras, férias
remuneradas, salário mínimo, pagamento em dinheiro e não em gêneros, descanso
semanal remunerado, direito a sindicalização. Como se pode notar, a CLT não era
extensiva aos trabalhadores do campo, assim como, não era permitido o direito
de se organizarem através de sindicatos. O direito à sindicalização só será conquistado
em 1962, no governo de João Goulart.
A
riqueza desse período interrompido
brutalmente pelo golpe militar foi extraordinário. É nessa conjuntura “que se
desenvolveram as primeiras experiências mais abrangentes de organização dos
trabalhadores do campo e em que, através de um complexo processo político, suas
reivindicações imediatas se articulam com as demandas amplas que colocavam em questão determinadas formas de
exercício do poder, das quais o latifúndio era o maior símbolo”. ( MEDEIROS, 1989,
P.79)
Esse
período foi marcado pela ofensiva dos setores de esquerda (especialmente os
comunistas) e nacionalistas para dentro da estrutura sindical o oficial, o que
resultou na conquista por parte desses setores das quatro confederações de
trabalhadores das seis existentes até então, tais como: Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria (CNTI); Confederação Nacional dos Trabalhadores
em Estabelecimentos de Crédito (CONTEC); Confederação Nacional dos
Trabalhadores Marítimos, Fluviais e
Aeronáuticos (CNTMFA) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag).
Dessa
forma, o movimento sindical estava amplamente dominado por setores de esquerda
e nacionalista, tanto dentro, como fora, do campo da legalidade instituída.
Comunistas e nacionalistas serão os principais entusiastas e mobilizadores da
sociedade em torno das reformas de base.
As
greves de massa serão freqüentemente acionadas nas reivindicações econômicas,
mas serão as greves políticas que terão mais repercussão nacional numa
conjuntura de extrema polarização política entre esquerda e direita como
ocorreu no Brasil nos primeiros anos da década de 60. Em agosto de 1961, o
movimento sindical progressista e de esquerda se engaja na luta pela
legalidade, logo após a renúncia de Jânio Quadros 1961, os militares se
recusaram a dar posse a João Goulart vice-presidente, que estava em visita
oficial a China. A campanha pela posse de Jango, ficou conhecida como campanha
pela legalidade e se espalhou por todo o Brasil. O movimento sindical liderado
por comunistas e nacionalistas jogou um
peso fundamental.
O
período compreendido entre 1961 e 1963 foi marcado por um crescente conflito
dos interesses de classe, à medida que a crise econômica provocava maior
polarização política. Devido a isso, as greves de massa eram geralmente
convocadas em apoio ao governo de Goulart, em troca de decretos que aumentavam
o salário mínimo e do acesso às esferas de tomada de decisão do governo. Nesse
sentido, o modelo de atividade grevista sugere que as greves de massa não eram
simples instrumentos da luta pelo poder, mas também um meio de obterem
proveitos econômicos para os trabalhadores através de decretos
governamentais.
A
greve dos 700 mil, ocorrida em setembro de 1963, quando a temperatura política
do país já estava bastante alta, parece corroborar com as afirmações acima.
Articulando 79 sindicatos e quatro federações, o Pacto de Ação Conjunta (PAC), pretendia avançar nas campanhas
salariais e também se ver reconhecido como interlocutor da FIESP. A pesar de
toda ofensiva repressiva e desmobilizadora dos patrões, os grevistas só
concordaram em retornar ao trabalho quando a Comissão de Greve negociou um
acordo válido para os 700 mil trabalhadores, independentemente dos acordos em
separado.
A
conjuntura dos primeiros anos da década de 60 do século passado que combinou
lutas sindicais tanto “por dentro”, como “por fora”, da estrutura sindical se caracterizou com um dos momentos mais
vibrantes da história do sindicalismo e da política brasileira, momento esse,
em que a sociedade se polarizou em torno de dois projetos de sociedade. De um
lado, as forças reacionárias que queriam a superação da crise econômica sem
alterar a estrutura social do país, ou seja, um capitalismo selvagem concentrador
de renda e dependente dos países centrais. Por outro lado, as forças
democráticas e populares preconizavam um modelo de desenvolvimento domesticado
pelos valores modernos da igualdade social e da radicalização da democracia
através da participação política do povo consciente de seus direitos e
politicamente ativo.
O desfecho conservador desse embate social
consolidado com o golpe civil-militar de 1964 impediu que os trabalhadores e os
setores democráticos e progressistas da sociedade tivessem seu esforço
recompensado politicamente. A derrota de 1964, porém, não deve nos induzir a
conclusões precipitadas no sentido de minimizar ou subestimar o esforço
empreendido pelos trabalhadores e suas organizações e nem deixarmos de
reconhecer que a agenda de lutas e de reivindicações desses trabalhadores
continua ainda muito atual nos dias de hoje, embora já tenha transcorrido mais
de quarenta anos daquela conjuntura política. Talvez esta constatação nos dê a
devida dimensão do quão foi trágico para a sociedade brasileira o desfecho
daquelas lutas.
Para saber mais:
COSTA,
Hélio da. Em busca da memória – comissões de fábrica, partidos e sindicatos
no pós-guerra. São Paulo: Scritta, 1995.
DELGADO,
Lucíclia e FRREIRA, Jorge. O Brasil republicano. o tempo da experiência
democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964.
vol.3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2003.
DELGADO.
Lucília. O Comando Geral dos Trabalhadores. Rio de Janeiro: Vozes,1986.
FERREIRA,
Jorge. O imaginário trabalhista – getulismo, PTB e cultura política popular
1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
FORTES,
Alexandre et al (org). Na luta por direitos. Campinas: Editora da
Unicamp, 1999.
GIANOTTI,
Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro:
Mauad Editora Ltda. 2007.
MEDEIROS,
Leonilde S. de.História dos Movimentos Sociais no Campo. Rio de Janeiro:
Fase,1989.
SILVA,
Fernando Teixeira da Silva. A carga e a Culpa. São Paulo: Hucitec, 1995.
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