(Texto: Regina Negreiros).
.
A ORIGEM DO SERVIÇO PÚBLICO
Historicamente o serviço público teve seu início
oficial e jurídico na França, no início do século XIX e final do século XX. No
entanto, pode-se buscar uma primeira noção na Grécia antiga, onde o serviço “era
prestado pelos detentores de grandes fortunas em forma de imposição honrosa, e
não pelo poder organizado em forma de estado” (JUSTEN, 2003, p. 17).
Posteriormente a esse momento, mas ainda no mesmo período, Grotti (2003, p. 20)
atribui a Rousseau o uso originário da expressão “serviço público” de duas
maneiras:
·
Concebe-se como atividade estatal que sucede ao
serviço do Rei, porque se operou uma substituição na titularidade da soberania e
também atividades destinadas ao serviço público, isto é, a atividades das quais
se asseguram aos cidadãos a satisfação de uma necessidade sentida
coletivamente.
O serviço público francês foi fundado na
ideia republicana de igualdade e liberdade, sendo caracterizado por disputas
que, muitas vezes, ultrapassaram o âmbito jurídico.
· Ele figura entre as imagens fundadoras sobre as
quais apoia a identidade coletiva; mexer com o serviço público é considerado um
ato de sacrilégio, que pode atingir os fundamentos do Estado e ferir a unidade
nacional (CHEVALLIER, 2007, p.77).
A Revolução Industrial propiciou o
desenvolvimento econômico e contribuiu para o surgimento de uma diversidade de
serviços públicos diferentes, como linhas férreas, telégrafos, telefones, distribuição
de água e energia etc., o que delineou o modelo francês do serviço público
prestado à população, o que denota que, naquele país, tal serviço é um dos
aspectos fundamentais do seu desenvolvimento histórico.
Serviço Público no Brasil: Do Império à
República Atual
No Brasil o serviço público teve sua origem em
1808, com a instalação da Real Família Portuguesa que, diante da necessidade de
promoção do desenvolvimento da então colônia, dentro dos parâmetros da
diplomacia real, percebe a importância do trabalho administrativo.
Após a proclamação da República, o
funcionalismo tornou-se mais forte, colaborando direta e indiretamente com a
administração, executando ações que movimentaram e impulsionaram os serviços
básicos e essenciais de que necessitam os cidadãos em suas relações sociais com
o Estado, no entanto, não existiam regulamentação nem legislação específica ou
mesmo denominação alguma para os servidores do da República brasileira.
Aos vinte e oito dias do mês de outubro de
1939, surge um dos primeiros documentos que consolida normas referentes ao
funcionalismo público: o decreto 1713/39. Em 1943, o então presidente Getúlio
Vargas, institui o dia 28 de outubro como dia do funcionário público e, em onze
de dezembro de 1990, publica-se o novo estatuto dos Servidores Públicos Civis
da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, que consolida o
termo Servidor Público, através da Lei 8112/90, o Regime Jurídico Único – RJU.
No entanto, antes da aprovação da Lei 8112/90, a Constituição Federal de 1988
estabeleceu e forneceu referências em relação ao Serviço Público. A
Constituição anterior, a Carta Magna de 1934, nada falava sobre o serviço ou o
servidor público.
·
Trata-se de uma atividade de titularidade do Poder
Público, que não se desnaturam quando a execução é delegada a particulares,
pois a Constituição fixa um vínculo orgânico com a Administração, ao dispor,
no caput do art. 175, que incumbe ao Poder Público a prestação
de serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão
(GROTTI, 2003, p.89).
A Constituição de 1988 nasce em um momento
político que tinha como paradigma a luta entre o comunismo e o capitalismo,
consubstanciando-se como uma carta de bem estar social de uma vida mais digna,
cujo objetivo é prestar ao cidadão as condições necessárias para se viver
dignamente, provendo-lhes as necessidades básicas. Em relação ao Serviço
Público, surgem as principais características para sua definição,
estabelecendo-se parâmetros para determinar o direito público e o privado. O
período anterior foi marcado pela falta de esteio para o servidor e o ingresso
era realizado através apadrinhamento ou troca de favores, não havendo a
necessidade de concurso público. Só a partir da promulgação da Constituição de
88, com a ideia de justiça centrada na isonomia de oportunidades para todos,
através do art. 37, parágrafos I e II, estabeleceu-se o concurso público que,
consigo, trouxe mais qualidade ao serviço público.
·
Art. 37. A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte:
- I –
os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preencham os requisitos estabelecidos em lei;
- II –
a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
emconcurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração. (BRASIL, CF/88.1999, p.40).
O artigo supramencionado não trata apenas do
ingresso no serviço público, ele é o esteio, a fundação basilar para nortear o
servidor e elencam os princípios inerentes à Administração Pública, função é
dar unidade e coerência ao Direito Administrativo, controlando as atividades
administrativas de todos os entes que integram a federação brasileira (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios). Dos princípios da legalidade e da
supremacia do interesse público sobre o particular nascem os demais princípios.
Os parágrafos do Art. 37 normatizam o serviço público, conforme abaixo:
·
III – o prazo de validade do concurso público será
de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;
- IV –
durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele
aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será
convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou
emprego, na carreira;
- V –
os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos,
preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica
ou profissional, nos casos e condições previstos em lei;
- VI –
é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação
sindical;
- VII
– o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em
lei complementar;
- VIII
– a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
- IX –
a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
- X –
a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de
índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na
mesma data;
- XI –
a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a
menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites
máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como
remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso
Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e
seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios,
e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie pelo
Prefeito;
- XII
– os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não
poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;
- XIII
– é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos, para o efeito de
remuneração de pessoal do serviço público, ressalvado o disposto no inciso
anterior e no art. 39, § 1º;
- XIV
– os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão
computados nem acumulados, para fins de concessão de acréscimos
ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento;
- XV –
os vencimentos dos servidores públicos, civis e militares, são
irredutíveis e a remuneração observará o que dispõem os arts. 37, XI, XII,
150, II, 153, III, e 153, § 2º, I (BRASIL, 1999, p.40).
Organização Jurídica da Administração
Pública
O regime jurídico da administração pública é
o conjunto de direitos e deveres que o ordenamento jurídico confere ao Poder
Público e que não se estende aos particulares, por força dos interesses que ela
representa quando atua, visto que a função administrativa do Estado tem como
base de sustentação dois princípios: o princípio da supremacia dos interesses
públicos e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Ao analisar o
art. 37 da CF/88, ver-se que a administração pública pode ser de dois tipos:
direta ou indireta, sendo a direta formada por Ministros e Presidentes e a
indireta formada por autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de
economia mista. Dentro dessa organização jurídica, tem-se que a administração pública
é regida sob os princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade,
publicidade e eficiência. Implicitamente a estes princípios, estão outros, não
menos importantes, que são: o princípio da supremacia do interesse público
sobre o privado e o princípio da finalidade; da razoabilidade e da
proporcionalidade.
Figura 1: Esquema de organização
jurídica da administração pública:
Imagem: Arquivo pessoal. (Favor não usar a imagem
sem fazer a devida referência)
O profissional, servidor público, é antes de tudo
humano e precisa deleitar-se no exercício de suas atividades profissionais.
Esse infelizmente é o investimento mais carente no seio da sociedade e do
serviço público, embora se saiba que não se faz o homem apenas com leis, regras
e costumes, tão pouco com a profissionalização e o tecnicismo, apesar destes
serem fatores importantes em sua formação. É necessário investir no Homem, na
sua essência, naquilo que o faz ser. É necessário criar novas estratégias,
permanentes e progressivas, para esclarecer a sociedade civil e o próprio
servidor, à importância a função pública, mostrando o porquê de sua existência,
necessidade e valorização.
O fato é que o serviço público no Brasil ainda tem
muito a melhorar, mas mudar o seu conceito só é possível através da mudança de
perspectiva do servidor e dos usuários do serviço público, pois a partir do
momento em que o indivíduo tem noção de sua importância social, é possível
melhorar a qualidade de vida de cada um. Essa mudança só é possível através da
educação e do conhecimento, a partir de então, o serviço público tenderá a
exercer sua excelência e passará a ser respeitado por toda sociedade.
A ética e a profissionalização são fundamentais
para a credibilidade da administração pública. Nessa perspectiva, aperfeiçoar e
aumentar o nível de profissionalização e qualificação dos agentes públicos,
capacitar e sistematizar as carreiras, é tarefa essencial. No entanto, não se
pode deixar de lado a ética em seu sentido do ethos grego,
visto que um exemplar agente público é antes de tudo um ser humano, um cidadão
que serve ao seu país.
Após vinte e cinco anos da promulgação da CF/88,
faz-se de extrema importância que o servidor se revista do espírito público,
tornando-se um agente construtor do poder social. Ademais, não basta ingressar
no serviço público através de concurso, conhecendo as leis e normas, não basta
ser um “concurseiro”. É preciso também a excelência moral e a prática das
virtudes para alcançar o desejável e servir com justiça e retidão, exercendo
dignamente sua função pública de forma satisfatória para o Estado brasileiro.
Outro fator que deve ser considerado como incluso
nessa tríade é a motivação. Motivar é estimular através do investimento na
educação do servidor e em sua qualificação profissional, visto que a falta de
preparo é um dos fatores que mais preocupa os gestores. A gestão pode e deve
ser similar àquela aplicada na iniciativa privada, com responsabilidade,
progressão funcional por capacitação e qualificação, onde o ambiente de
trabalho seja agradável e salutar, onde os olhos sejam voltados para o futuro,
e o passado seja apenas uma referência de como não ser e não agir.
É notório que de 1988 até hoje o serviço público
melhorou muito através do ingresso de servidores concursados e melhor
qualificados profissionalmente, mas mostrar à sociedade sua importância é uma
tarefa que requer anos e um esforço conjunto de todos. A publicação de uma nova
LDB contribuiu na formação educacional e a CF/88 concomitante ao RJU
contribuíram no sentido jurídico com a elevação da qualidade do servidor, no
entanto, muito ainda precisa ser feito no que se refere à qualificação,
capacitação e motivação. Nesse prisma, é necessário pensar o homem no sentido
de construção de uma humanidade melhor, um homem consciente e responsável, com
valores civilizatórios que permitam uma boa e harmônica convivência social. A
partir de tais atitudes a gestão deverá fluir melhor e mais facilmente, o que
deverá motivar para o desempenho de suas atividades com responsabilidade,
eficácia e eficiência. É importante que a gestão seja voltada para o
aperfeiçoamento contínuo dos servidores, a disseminação de informações, a
formação humana e o planejamento estratégico e participativo, pois de tal
forma, todos no serviço público e na sociedade, sairão ganhando.
Texto: Regina Negreiros – Servidora Pública
Federal do IFPB | Bacharel e Licenciada em Filosofia |
Especialista em Gestão Pública | Mestranda em Ciências das Religiões.
Fonte do texto: Recortes de seu trabalho de
conclusão na especialização em Gestão Pública, com o título: ÉTHOS,
EDUCAÇÃO E SERVIÇO PÚBLICO: Uma tríade basilar na construção de uma
sociedade saudável.
Como fazer a referência a este
trabalho:
NEGREIROS, Regina Coeli Araújo. ÉTHOS,
EDUCAÇÃO E SERVIÇO PÚBLICO: Uma tríade basilar na construção de uma sociedade
saudável. TCC (Especialização em Gestão Pública). Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB. João Pessoa, 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário