Dados
sobre negociação coletiva mostram importância dos sindicatos
*Clemente
Ganz Lúcio.
O
debate sobre o papel dos sindicatos no Brasil apresenta dados díspares sobre o
número de entidades existentes no país e o trabalho por elas desenvolvido.
Ultimamente, informações que não refletem a realidade são utilizadas para
justificar medidas que atacam o financiamento sindical, baseadas no argumento
de que a maior parte das instituições possui pouca ou nenhuma
representatividade junto aos trabalhadores e, efetivamente, não negocia. Nessa
visão simplista e, por vezes, mal-intencionada, os sindicatos que não negociam
deveriam simplesmente ser fechados. O ataque ao custeio dessas instituições
serviria para quebrá-las financeiramente. Os sindicatos laborais são
instituições criadas pelos trabalhadores desde a 1a Revolução Industrial no
século XIX. Os trabalhadores se associam e reúnem força política para produzir
e defender seus direitos. São instituições fundamentais para a sociedade, pois
atuam para gerar equilíbrio nos sistemas de relações de trabalho, visando criar
obstáculos à exploração dos trabalhadores e à submissão dos indivíduos ao poder
do empregador. A negociação é uma das dimensões da atuação sindical, parte
essencial de um leque de inúmeras outras atribuições dessas entidades, que
representam trabalhadores assalariados, servidores públicos, autônomos,
agricultores familiares, trabalhadores avulsos e profissionais liberais.
Negociar é um dos principais meios para se chegar a qualquer acordo ou
regulação. O poder efetivo da negociação varia segundo as características do
modelo de relações de trabalho vigente em cada país. 2 A ação sindical se
materializa em movimentos de reivindicação e defesa de direitos, muitos dos
quais são tratados nas negociações coletivas e podem ser assegurados em acordos
e convenções. Outros serão tratados na regulação geral da legislação ou em
instrumentos normativos aprovados ou deliberados no âmbito do Legislativo,
Executivo ou Judiciário. No Brasil, tanto trabalhadores como empregadores se
organizam em sindicatos. Uma análise sobre o número e a atuação de entidades
sindicais no Brasil pode ser realizada hoje por meio do Cadastro Nacional de
Entidades Sindicais (CNES) e do Sistema Mediador, ambos mantidos pelo
Ministério do Trabalho (MTb). O CNES possibilita pesquisa sobre número e perfil
de entidades de trabalhadores e patronais legalmente constituídas no país. Já o
Mediador é um sistema para protocolar convenções e acordos coletivos firmados
após negociação entre entidades patronais (ou empresas) e sindicatos de
trabalhadores, que permite, em tese, pesquisar todos os documentos resultantes
das negociações realizadas no país desde 2009, quando o registro se tornou
obrigatório. São dois importantes bancos de dados que devem ser analisados
quando se quer avaliar o papel dos sindicatos. Segundo o CNES-MTb, há, no país,
17.516 entidades sindicais (informações de maio/2018). Aquelas que representam
trabalhadores totalizam 12.052, enquanto as patronais são 5.464. Para a
representação patronal, há 14 confederações, 178 federações e 5.272 sindicatos.
Já a estrutura que representa os trabalhadores reúne 11.578 sindicatos, 424
federações, 36 confederações e 14 centrais sindicais. A seguir, o número de
sindicatos de trabalhadores, de acordo com o tipo de profissionais
representados, e a quantidade de acordos e convenções registrada no Mediador
para cada grupo: 880 sindicatos de trabalhadores (empregados assalariados).
Desses, 89% (4.354) negociaram e protocolaram acordos e/ou convenções coletivas
no Sistema; 3 952 sindicatos de trabalhadores rurais, dos quais 33% depositaram
instrumentos coletivos negociados no Mediador. A maioria (67%) não possui
registro no Sistema, o que pode ser explicado, em parte, pelo fato de muitas
entidades representarem trabalhadores da agricultura familiar; 200 sindicatos
de servidores públicos, dos quais 11% inseriram algum instrumento coletivo no
Mediador, representando servidor assalariado celetista. A maioria (89%) das
entidades não possui nenhum registro, pois o direito de negociação coletiva
ainda não foi regulamentado no setor público; 657 sindicatos de categorias
diferenciadas, dos quais 73% dispõem de instrumentos coletivos no Sistema Mediador;
475 sindicatos de profissionais liberais, entre os quais, 48% possuem registro
de acordo ou convenção no Sistema; 268 sindicatos de trabalhadores autônomos,
dos quais 14% registraram instrumento coletivo no Sistema; 137 sindicatos de
trabalhadores avulsos, 51% com acordo ou convenção inserido no Mediador. Como
mostram os números, 6.400 sindicatos de trabalhadores (55% das entidades
sindicais de base) negociam e registraram instrumentos coletivos no Sistema
Mediador. Entre os 5.178 sindicatos ausentes do Sistema, cerca de 80% (3.930)
representam trabalhadores rurais ou servidores públicos, que, conforme já
mencionado anteriormente, pouco praticam a negociação coletiva de trabalho – os
rurais pelo peso considerável da agricultura familiar e os servidores, por não
terem o direito à negociação regulamentado. As demais entidades que não
inseriram documentos no Mediador (1.248) – e que correspondem a pouco mais de
10% do total de sindicatos de trabalhadores – não negociaram em função da
natureza de sua representação. Uma parcela delas representa trabalhadores cujas
condições de trabalho e remuneração não são sujeitas à negociação coletiva –
como avulsos, autônomos e profissionais liberais, entre outros; a outra parte
representa trabalhadores que podem ser abrangidos por convenções e acordos
coletivos 4 negociados por outras entidades sindicais, como, por exemplo, as
majoritárias na representação de funcionários de uma empresa. Diferentemente do
que defendem alguns, os dados estatísticos do Ministério do Trabalho revelam
que aproximadamente 90% das entidades sindicais de trabalhadores que devem e
podem estabelecer acordos ou convenções coletivas exercem essa tarefa. Em
outras palavras, a maioria esmagadora das entidades sindicais de representação
dos trabalhadores realiza plenamente as funções que são de sua
responsabilidade, negociando e produzindo direitos trabalhistas, por meio de
instrumentos coletivos de trabalho, na contramão do que tem sido declarado
publicamente. Afirmar o oposto, sem fundamentação, é buscar quebrar e aniquilar
essas instituições e, com isso, tirar dos trabalhadores um instrumento eficaz
para a resistência à exploração.
*Sociólogo
e Diretor Técnico do DIEESE*.